SEREIAS

Que será das sereias que esperam, que esperam
Pelo incauto, pelo aventureiro sem norte
Desde as rochas mais negras dos mapas ausentes,
Pelo falso verão que não traz, que não traz
Barco algum no ir e vir dessas ondas sem fim?
Nem jangada nas águas do perpétuo olvido
Por notícia de infausto naufrágio por perto.

Já não há quem se arrisque sem sextante ou porto,
Por destino, no errar aos caprichos do acaso –
Temerário marujo que já vai rareando,
Por que rotas evita a canção sedutora
Que por vozes tão belas, tão belas, convida?
São cruéis essas horas, mais plenas de angústia
Que outro ocaso sangrando seus rubros e púrpuras.

Eis que a voz duma delas – é Sirius – lamenta:
“Ah, que tédio, que imenso querer por querer
Nessa rocha açoitada por ondas sem fim!
Tripulantes de armadas inteiras não bastam
Ao que em mim por vazio se entende e define.
Fico a ver uns navios fantasmas, sem curso
Ou sentido – se ao menos partisse num deles...”

E uma brisa sutil leva a vã melodia
Sem requintes ou público – canta uma outra,
Essa é Luna : “Que apelo angustiado!Que dor,
Minha irmã, quem dirá que dum deus somos prole?
Distinguir entre o ver e o olhar é questão
Que se impõe, se navios ou meras miragens
Traiçoeiras...”, cantou, “Mas que dor, oh, que dor!”.

Ao que Sirius murmura : “...vagando em ressacas
Que me exilam de mim...”, desespero no olhar.
São assim, as sereias, são monstros sensíveis,
Que ninguém pense o oposto, são tão semelhantes
Ao humano quanto é razoável supor
Dos equívocos nos quais Natura incorreu –
Eis as vozes que à perda levaram milhões...

Que será das sereias que esperam, que esperam
Pelo incerto, pelo temerário sem sorte
Desde as rochas mais negras do inóspito oceano,
Pelo falso verão que não traz, que não traz
Nem veleiro ou fragata nas ondas sem fim?
Nem jangada nas águas do perpétuo olvido
Por notícia de infausto naufrágio por perto.

Outra voz, mais contida, ousa queixa em canções:
“Acalento saudades” diz Myrto, serena.
“Não apaga, esse tempo, o quem fui noutras eras.
Provo o cálice amargo das perdas durando
O milagre profano de místicos planos.
Quem me dera um vislumbre do eterno, um vestígio
Que aplacasse essa fera que sou, por um dia”.

“É o vazio” diz Sirius “que a todas consome”.
“E quem sabe?” diz Luna “Quem pode sabê-lo?”
E entre as três pesa a noite, nas rochas mais negras
Do oceano de inóspito azul que as irmana.
Tela alguma captura o fulgor de seus olhos
Na penumbra envolvendo os três vultos monstruosos.
Quem dirá que padecem, que sofrem, tais coisas?

Eis a quarta, que assoma das águas, veloz,
Mais selvagem no aspecto de fúrias, terrível.
“As trapaças do mundo não podem vencer
Nossa estirpe!” diz Doro às irmãs sorumbáticas.
Melodia não há nas sentenças que ruge,
Semelhante às demais é na fome implacável.
“Há rumores de naus à deriva!Esperemos!”

Myrto atalha “Padeço de estar sempre à míngua
Duma aurora roubada nas tramas do tempo –
Que banquete supriu tais demandas de eterno?”
“Distrações!”, canta Sirius, “E ouvidos novos!”,
Com malícia, “É o de que precisamos, agora.”
Doro baba, rosnando um dialeto impossível,
Duas tochas, seus olhos ferindo a penumbra.

“Se é da essência do ser”, diz Luna, “O cumprir
Seu propósito, sejam bem-vindos os homens”,
Ao que as outras parecem sorrir, se sorriso
Fosse aquilo nas faces medonhas rasgado,
O apetite contido é tortura sem freios.
Que será das sereias que esperam, que esperam
Pelo incerto, pelo temerário sem sorte

Desde as rochas mais negras do inóspito oceano,
Pelo falso verão que não traz, que não traz
Transatlântico ou balsa nas ondas sem fim?
Nem jangada nas águas do perpétuo olvido
Por notícia de infausto naufrágio por perto.
Tela alguma captura a assembléia dos monstros
Nessas rochas mais negras que a noite que as toma.

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Israel Rozário
Enviado por Israel Rozário em 21/11/2017
Código do texto: T6178280
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