O elogio da Saudade (in: Flor em Flama)

Hoje eu me despeço

Numa dupla despedida:

Despeço-me daquela que eu tanto amava

E que agora está longe:

Despedida post-mortem.

Despeço-me de mim mesmo,

De uma parte de mim

Que já não mais me pertence:

Ela me roubou e levou consigo

A poesia.

Abandono então a poesia

E o Romantismo.

Mas não completamente:

Deixo para trás as grandes epopéias de amor,

As apaixonadas rimas de enamorados,

Os cândidos olhares,

Os beijos trocados secretamente,

Os temores e anseios

Que só quem ama conhece.

Discorrerei doravante sobre outros temas:

Pátria, mãe, família

Céu, floresta, mar

Ser poeta, ser triste, ser feliz

Que me importa?

Posso escrever sobre o que tiver vontade

Mas de que adiantaria

Se já não há mais a força motriz

De minha poesia?

Só me resta a saudade.

Branda e violenta saudade

Que subitamente me arrebatou

Quando soube que partira

Sem beijo, sem adeus.

Saudade unilateral

Sentida só por mim.

Mas saudade é coisa boa:

Faz pensar mais na pessoa amada,

Mantém acesa ainda a chama

De um antigo amor,

Fogos-fátuos que irrompem

Indelicadamente

Por minha mente

E rompem com toda a lógica e lucidez.

Saudade:

É o que me resta no coração.