A PROPÓSITO DE UM PERTURBADOR (Paráfrase de V . HUGO)

SERIA SONHO ou não... Depois vós me direis...

Um homem... era um grego, era um persa, um chinês,

Ou judeu?... Eu não .sei... tão-sòmente me lembro

Que era um ente verídico e grave, que era membro

Do partido da ordem..

E êle dizia então:

"Esta morte jurídica imposta a um charlatão,

Ferindo êste anarquista é soberana e justa.

Faz-se mister que a ordem e a autoridade augusta

Defendam-se... Tais cousas hoje ninguém discute.

Depois, se a lei existe é para que se execute.

Verdades santas há de origem tão divina

Que devem sustentar-se até na guilhotina.

Êste inovador pregava a filosofia

Do amor e do progresso... histórias... utopia!

Ria do nosso culto antigo e namorado.

Era um dêstés p'ra quem nada existe sagrado

Nem respeitam jamais o que o mundo respeita ...

"P'ra lhes inocular doutrina assaz suspeita

Êle ia procurar nos bordéis crapulosos,

Boieiro e. pescador, patifes biliosos,

Imundo povilhéu não tendo eira nem beira...

E entre canalha tal pregava de cadeira.

Jamais se dirigia aos homens de dinheiro,

Aos sábios, aos honrados, ao honesto banqueiro.

"Anarquizava as massas... e com dedos p'ra o ar

Enfermos e feridos entendia curar

Contra a letra da lei.

Não pára aí o horror...

Palavras de Um Conservador

Ressuscitava os mortos... êste vil impostor

Tomava nomes falsos e falsas qualidades

E errando ora nos campos, ora pelas cidades,

Ouviam-no dizer: "Podeis me acompanhar!"

"Ora, falai, senhor. Não é mesmo excitar

Uma guerra civil entre os concidadãos?

Via-se ir ter com êle horrorosos pagãos,

Que dormiam nos fosstís e acompanhar-lhe o rastro:

Um coxo, outro com o ôlho escondido no emplastro

Outro surdo, outro envolto em pústulas tenazes.

Vendo êste feiticeiro andar com tais sequazes

O homem de bem entrava em casa envergonhado...

"Um dia... eu já nem sei quando isto foi passado,

Numa festa... pegou de um chicote, imprudente!

E se pôs a expelir, mas muito brutalmente,

Gritando e declamando, honestos mercadores,

Que vendiam ali pássaros, aves, flores,

E outras coisas, que mesmo o clero permitia

E de cujo produto uma parte auferia.

"Uma mulher sem brio seguia-lhe na trilha.

"Êle ia perorando, abalando a família,

A santa religião e a sociedade,

Decepando a moral e a propriedade.

"O povo o acompanhava, e o campo estava inculto.

Era ousado demais... Chegava o seu insulto

Até ferir o rico!.

E revoltava o pobre.

Sempre, sempre a dizer que todos que o céu cobrè,

São irmãos, são iguais... que não há superiores,

Nem grandes, nem pequenos, ou servos, ou senhores,

E que o fruto é comum...

Té ao clero insultava!..

"Bem vê, bem vê, senhor, que êste homem blasfemava.

E tudo isto era dito assim em meio à rua,

A uma canalhà vil, grosseira, imunda e nua.

Preciso era acabar, as leis eram formais...

Foi, pois, crucificado..."

Ouvindo frases tais

Ditas com tão singela e adocicada voz...

Eu surprêso exclamei: "Senhor, mas quem sois vós?

Ele me respondeu: "Preciso era um exemplo;

Eu me chamo Elisab, sou escriba do templo

Porém de quem falais?.. . Dizei-me.de quem é?"

"Meu Deus! dêste Vadio... Jesus de Nazaré".

Poesias Completas de Castro Alves. Palavas de um Conservador. A PROPÓSITO DE UM PERTURBADOR (Paráfrase de V . HUGO). Disponível em: <BIBLIOTECA NACIONAL: http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_obrasraras/or376812/or376812.pdf>. Acesso em: <15 de novembro de 2017>.

CASTRO ALVES
Enviado por JWPapa em 15/11/2017
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