GOZOS DOS CÉUS

O tempo o fizera cansado, desmilinguido de vida.

Seu sangue tinha que ser empurrado a fórceps,

suas mãos mais pareciam galhos secos de algum outono sem fim.

Se tornara velho de corpo curvo, voz embargada,

sonhos ocos e calados, todos eles.

Dos ventos juvenis pouco tinha troco,

pouco tinha cheiro, pouco tinha varanda.

A sabedoria que tantas andanças trouxeram só serviam

pra juntar musgo e mofo. E nada mais.

A morte, tão voraz para carregar almas, no seu caso parecia

só querer distância, só querer ignorar, só querer fugir de uma vez.

Chorava por vezes tentando içar de dentro dos seus ossos algum

vintém de esperança, alguma migalha de furor de guerreiro,

mas nada emergia, nada mesmo.

Sentia que suas carnes se putrefavam de vida,

percebia que o mundo apezinhara seus chocalhos de andarilho a esmo,

sabia de cor cada engodo surrado que suas valsas descompassadas

teimassem em rimar.

Estava triste e só feito saudade de algo que nunca irá embora,

era uma sombra seca e desnuda clamando pelo fim, que nunca fincava naquele fiasco de chão.

Mas de nada adiantava seus intentos vãos,

nem seus quebrantos derrapados e aflitos.

Deus parecia que cuspira infortúnios naqueles passos imberbes,

esfacelados, puídos de razão, destronados de mel.

Mas mesmo assim não se dava por vencido.

Gritava aos todos cantos que não merecia aquele véu asqueroso.

Mas era sândalo vencido, nada mais tinha a querer para si,

nem para mais ninguém.

Foi então que tudo aconteceu.

Daquele lodo fétido saiu uma flor, linda flor, linda como nunca se viu antes. E ela sorria, como sorria. Como sorria...

Cada pétala era um encanto de delicadeza e aroma extasiantes, benzidos, abençoados.

Sua beleza fazia transbordar a dor para longe, longe, longe. Longe...

Então aquele velho se viu renascido, se viu menino, se viu crina nova,

reluzida, desparafusada de quaisquer fagulhas que não fossem de luz,

que não fossem de paz.

Como por encanto, o que se dizia atroz, se fez novo.

O que se mostrava morto, se avessou sêmen.

Sêmen de querelas altivas, sirilampas, livres como devem ser os gozos dos céus, como devem ser o enfeites da fé.

E aí aquele velho pôde, por certo, dar curso ao seu legado.

Para abraçar cada vértebra do que o mundo teria de melhor, de mais caro, de mais precioso.

De mais tudo.

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Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 10/11/2017
Código do texto: T6168102
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