Inaudita
O olho fechado e seco mira
a ferida aberta,
o pulso trabalha na medida certa,
o sangue que passa por mim não carrega mais
meus ancestrais.
Eles não exercem domínio sobre mim.
Sou feita de fumaça, sem idade,
história, forma ou cor. Sou feita de vazios
impreenchíveis. Não trago nomes.
Não partilho da sua dor, não carrego seus estigmas.
Não me cabe as roupagens definidas,
essas coleiras dos lacaios.
Não meço-me pelos espaços que reservam a mim,
não possuo dimensões. Grilhões escorregam por minhas mãos,
fouxos, insuficientes.
Sou grão de areia, poeira,
nem batom, nem saia, nem curvas, nem maciez.
Minha sedução é pútrida, negra como o bafejo da Morte.
Sou pedra, sou aço, sou desfeita em mil pedaços
flácidos, fogos-fátuos.
A ácidez escorre por meus lábios secos,
nada de beijos, suspiros, segredos.
Serei a sepultura dos seus desejos.
Eles nunca exerceram domínio sobre mim.