MEUS CANTARES
RECONSTRUÇÃO DE CANTARES
(I) CANTO NOVO PRIMEIRO
Meus nervos se contraem
diante dos fatídicos acontecimentos
que marcaram a epopeia humana
nas imensas planícies e montanhas
nas longitudes dos oceanos e mares.
Me corrói a alma-se existe alma-
sentir a putrefação dos seres extintos
e dos viventes que padecem nos desertos
e nas florestas e nas cidades.
ó cidades! Amontoadas de prédios!
alojamentos perpétuos de seres
sobreviventes de jornadas eternas
santificados ou demonizados
cientes ou inconscientes.
Me dói o Ventre Latejante de desejos
incontidos e contidos, submersos
sugando na aurora plácida dos dias.
Ah, os dias, eté
reos dias
na imensidão subjacente dos cantares.
o noturno pássaro passa a cantar
em mim uma canção do infinito
com suas asas pretas e sombrias;
o noturno pássaro assombrado
passa a voar batendo em paredes,
sedento de luz, de paz, de volúpia.
Mais uma vez um canto fugaz
escorre com meu sangue gelado
fertilizando a flora da noite
negando apocalipses inventados.
E o pássaro noturno, afogado em saberes
e dissabores, translouco, limita
o bocejo dos desesperados.
A mulher – passageira da eternidade –
seduz seus mitos aos gritos de prazer,
tentando compreender a inovação
que multiplica-se no sopro do ventre,
o ventre fertilizado de alucinações.
Não vejo a hora sublime
a hora de acordar para o nada
a hora de mergulhar na luz.
Só vejo o todo, reluzente,
a me dizer palavras toscas
em manhãs invernais.
Não tenho mais tempo
para entender
as formas modelares de vivência
nem tempo suficiente
para ver a transformação do ser
a implosão do eu.
Construo novos cantos velhos
encostado na luz da fogueira
revendo as ondas do oceano
prateado pela lua eterna.
Vultos na areai e um casal a amar
ao som do mar
ao som do mar.
CANTO II – TREMOR
A Terra treme e seu tremor
derruba casas, castelos, cidades.
Nem toda sabedoria
Acumulada por milênios
pela humanidade
é motivo para cessarem
as eternas guerras sangrentas?
A selvageria persiste
no âmago humano?
Até quando?
Até quando?
A revolução silenciosa
interna
dentro de cada ser
deve se multiplicar...
Os seres de bem e de paz
Devem contaminar os entes do mal
e da guerra e da ganância.
O diabo – se existe diabo –
é o dinheiro, a moeda, o capital
motivo de todo mal sobre a terra
motivo de guerra, morte, tristeza...
a este demônio moeda
deus do mal e da morte
devemos exorcizar
dominamos a natureza
as florestas, os desertos
controlamos o fogo
suportamos a fúria do vento
sobrevivemos aos tremores da terra
e à invasão do mar
vestimos belos fraques e vestidos
e não evoluímos a alma
- se existe alma –
somos intolerantes e violentos
ciumentos e possessivos
egoístas e racistas
arrogantes e hipócritas
cínicos e mentirosos
porém belos e educados
cultos e eticamente corretos.
Ah, humanos /amados ou não amados/
- se existe o amor – mas
o que é o amor
se não o desapego total de tudo?
o gostar de fazer o bem
um amor sensual sem pensar em mal...
Ah, humanos, da era das pedras
à era das pernas, formosas, à mostra,
das cavernas às torres de concreto e aço
eterno asco na história humana.
Um tremor a mais a realizar
rezem, orem, clamem à Deus
- se existe Deus –
- se existe apenas um Deus e não Deuses –
por um tremor de encantamento
de compreensão e sabedoria
de que a vida deve ser de paz
ó óbvio, trivial
que a humanidade não faz.
Vamos fazer tremer a existência
e apagar os vestígios do egoísmo e ganância,
vamos ter vergonha da riqueza¹
este é o tremor mais devastador
da alma humana – se existe alma –
(animal tem alma?) contra a vida contemporânea.
O mar devolve à terra
o lixo da terra jogando ao mar, e
um outro cantar me surge na mente
sob as estrelas cadentes ao meu olhar.
III
TERCEIRO CANTO NOVO
AO POVO
Meus queridos irmãos trabalhadores
escravos de múltiplos senhores
e de todas as horas da história,
homens divididos
entre duas mulheres
uma santa, outra puta,
humanos divididos
em duas crenças
a existência de um Deus que
comanda o universo que criou
e a existência deste Ser
[supremo
[superior,
Queridos irmãos da Terra
planeta com 7 bilhões de seres racionais
cantais, cantais
o novo cântico que escrevo
como os bíblicos foram escritos
apenas escritos, pensados
consagrados pela tradição.
Consagrai novos tempos
novos momentos
ó , povo inteiro-
é o caminho a avançar
assimilar novos conceitos
repensando sistemas
ter a a ousadia da justiça
justiça social
justiça econômica
justiça arquitetônica
justiça política
o justo sem susto
apenas assimilável.
Não importa se existe ou não Deus
/ ou Deuses
entidades superiores aos seres visíveis
invisíveis
além da matéria
intocáveis, acima das Leis das ciências.
Trabalhadores do planeta
é hora, agora, do levantes consciente
um novo canto
um novo encontro
um novo modelo de viver
sem os equívocos passados
com projeções futuras possíveis
com distribuição real das riquezas
com o fim das monarquias
com a extinção dos senados
com uma novíssima democracia
direta, participativa, reconstruída...
Mova-se, humanidade!
Não podemos mais carregar fardos
Por nada! Repito.
Foi-se a ilusão!
os vendáveis da história
arrastaram castelos inúteis
- muralhas para o esquecimento.
O nosso tempo
que chamamos século XXI
- Terceiro milênio da era cristã -
é o de conquistar o direito
à vida total
ultrapassando na nossa velocidade
as experiências anteriores
assimilando o que de melhor percebemos
esquecendo, não aplicando, os processos
[resultados negativos.
Possível! Tudo é possível! Cantai!
cantai e organizar a rede
da rebelião,no trabalho, na escola,
jogando bola no campo, constante,
avante, no ônibus, metrô, estradas,
é possível fazer entender a verdade /é viável
Basta convencer o cidadão
do seu papel no palco social.
Ah como é fácil
mudar o mundo
num poema no sétimo andar
da Rua da Praia.
Profundo, complexo mundo
multifacetado
estatelado
pedindo socorro.
Bata ao capitalismo!
o abismo está na outra curva.
As sociedades contemporâneas
de todos continentes
desejam mudanças radicais
não suportam mais seus ais.
Cantais, cantais, tribais
e praticais mais e mais
as mudanças mentais
em seus filhos e pais,
pela verdadeira paz.
IV
O CANTO DO ESPANTO (DA ALMA MORTAL)
Como Moisés, Patriarca de Israelenses
- um povo, apenas mais um povo da Terra –
inventou suas leis e as escreveu,
também vou tomar o direito, a liberdade
de escrever novas leis que pensei.
Não sei, neste canto,
se minhas leis que escrevo
são inspirações de uma entidade
superior a mim, que domina
e me invade e me faz escrever,
Não sei, neste canto,
neste espaço do planeta,
se minhas leis que escrevo
são somente produtos de minha
[mente
Invenções baseadas no que aprendi, vi e
[senti.
Minha interpretação da vida
- acima de todas teorias –
não concebe tanta matança
tanta crueldade praticada
com armas mortais
com instrumentos letais.
Se queremos verdadeiramente a paz
entre humanos e nações
devemos publicar um Decreto
[universal
proibindo as fabricações
de armas e munições
proibindo o porte de armas
apreendendo as armas do mundo
destruindo as velhas armas mortais
substituindo-as por argumentos
sim
precisamos falar mais
e matar menos.
Cantai, cantai, Povo do Planeta
este canto de paz
Não suportamos mais
o sangue jorrando dos corpos
por nada
por motivos fúteis
mortes inúteis.
E as guerras por terras!?
Que horror!
Não pode mais fazer parte
do script da humanidade.
E ‘ uma insanidade!
Enquanto aplicam trilhões
em dinheiros internacionais
em construções de armas letais
e bombas para destruição,
deixam de aplicar o suficiente
para acabar com a miséria
de grande parte da humanidade;
deixam de investir em mais
tecnologia para saúde geral /de toda a humanidade.
Basta aos armamentistas
egoístas
genocistas
criminosos
perigosos
exterminadores
de humanos.
Chega de panos nos olhos.
As guerras precisam cessar
os filhos devem voltar
para suas casas, desarmados,
para o sorriso e alegria
de suas mães esperançosas
e mulheres fogosas.
Basta de guerras nas igrejas
e mesquitas e bordéis
nossa crenças são ilusões
para tentarmos fugir da morte.
Precisamos, no entanto,
só de paz para pensarmos
numa vida melhor
para todos
sem lucros escravizantes
sem propriedades exorbitantes
sem fome, sem sede
sem a falta de lugar para morar
sem precariedade pra existir.
É possível, canto em meu canto,
em meus cantares proponho
estas leis novas, como fez Moisés,
sem armas, fora armas,
para que se tornem tradicionais
e cultivadas pra sempre
por toda eternidade
como lei universal
inspirada pela percepção
pela razão, pela mente e
[experiências
Resultados da evolução
humana
para fugirmos da condição
de raça insana.
Cantemos, cantorias mundiais
tradicionais, regionais, múltiplas,
rocks, blues, jazz, sambas, sonoridades,
cantemos todos cantos da Terra
pelo fim da guerra
pelo fim do lucro com a morte
[violenta
Cantemos, em bom som, tenta,
com todos instrumentos possíveis,
o novo sopro do badalo dos sinos
o refino do pensamento mundial.
Pela paz, e muito mais.
V CANTO
FUGA PARA O SILÊNCIO
Um turbilhão de ideias
varre minha mente latejante
caminhando dentro de meu corpo
[molhado
Pela chuva que cai
Na tarde de sábado
Água da natureza
sobre meus membros
cabelos, e pele e roupas
molhando meus passos
e eu passo sob marquises
de prédios vazios.
Um filme veloz é o que vejo
Com meus olhos molhados
Muitas vezes ouço em todos os lados
- falando das coisas do mundo
E minha história particular,
As vozes que me cercam
Na minha íntima eternidade,
Todas vozes, ao mesmo tempo,
Batendo em meus ouvidos molhados,
Torturando minha percepção atônita.
Corro, corro para o silêncio,
Fujo em direção ao nada
Ao absoluto estado silencioso
sem sons
só de imagens,
mas não consigo me livrar das falas,
dos gritos, gemidos, discursos
e ruídos de máquinas.
Uma voz estridente me sufoca
me acusa, me humilha,
me chama de merda, derrotado,
fora do sistema capitalista,
me acusa de vagabundo
preguiçoso, por não querer ser
escravo deste mundo,
por não querer ser parte
da multidão consumista.
Outra voz latejante
me condena por imoralidade,
por amar e amar e amar
quantas pessoas me for possível.
Grita em meus ouvidos
palavras cruéis anti-amor,
querendo me levar à loucura da
possessão de outro ser.
Não! Não! Eu corro na chuva
fugindo das vozes
buscando outro canto
buscando o silêncio do nada
querendo ficar só, com minha canção
de equilíbrio, de paz / de compartilhar/
o ato
de amar.
As vozes da humanidade me seguem.
Paro na esquina. Abro os olhos
para a sinalização e às luzes.
Atravesso a avenida entre carros.
Conceitos morais, família obcecada,
Moisés, Aristóteles, cristo,
mas eu? Eu existo.
Penso, então existo, como
Descartes.
Não posso ser escravo de outros
pensadores, tenho que ser Eu ao
observar e respeitar os outros.
ser o eu-pensante de mim mesmo
o meu próprio salvador
o meu próprio senhor
que só teme a natureza,
ser um Eu compartilhador
da paz, do amor, da liberdade,
da vontade de cantar
novos cânticos anunciando
que os humanos não precisam
mais brigarem entre si.
A chuva cai
molha meu corpo
eu corro na praça largada
vejo vultos correndo
as vozes da tradição me seguem
eu fujo, fujo
busco outro som
o som do silêncio
o som da compreensão
o som da harmonia
o som do silêncio
algo que cale as vozes ultrapassadas.
Mais nada.
CANTO VI
CANTO ABRASADO (FINAL)
Corro para o silêncio,
em desatino socorro
com meu canto de desencanto
meu novo pranto.
Feliz aniversário
para quem sobrevive
no cenário dos otários.
Feliz volta ao mundo do nada
para quem morre.
Quando você adormecer profundamente
vou escrever versos tristes
em tua pele branca
com minha caneta preta.
Vou riscar nas tuas pernas e braços
e antebraços e ombros
no instante em que você ronca serenamente
me deixando abrasado.
Ainda vivemos, respiramos...
Escuto teu sono
divago teus sonhos
e lamento em mim
o amor não correspondido.
Minha ilusão ingênua
vai se dissipando
em direção ao infinito.
Risco sobre tuas varizes
tuas rugas e bochechas
meus poemas mais tristes
em contraste com a alegria
das ruas.
Meu canto
jogo num canto.
E choro
pelos que morrem por amor,
pelas almas abrasadas.
WLADY
(POEMAS PUBLICADOS NO LIVRO "ADEUS, SUL", 2014.)