Básico são os outros

Básico é copo d'água sem gelo e uísque Cowboy sem emoção

é solidão abundante e tristeza falseada nas mesas dos bares

básico são os olhares chorosos das pessoas

escondidos por detrás de largos sorrisos de desespero

e o desesperado soluço engasgado no peito

na iminência de rasgar as entranhas de dentro para fora

e transbordar feito fazem os vulcões em cólera.

Básico é o levante furioso dos insetos

disputando os melhores lugares em sua parede favorita

carregando e entremeando os restos mortos de carne

que se encontram caídos no chão

levando-os para as fendas e buracos abertos pelos pregos sujos

que sustentam os engordurados quadros com propagandas

de conhaque, cerveja e cachaça.

Básico é uma pitada de raios dourados de meia lua na retina

e uma noite inteira cheia de estrelas num céu à sua escolha.

Básico é não querer ser o que não se é

e sendo, não ser o que se pode.

Básico é sentir a poesia entrando pelas narinas

queimando a pele, alterando a pulsação

feito o vento frio que maltrata o corpo em uma bucólica manhã de inverno.

Básico é não morrer de véspera, por antecipação

ou viver a vida numa pressa desmedida

embalado por um repetitivo e antiquado refrão.

Básico é embriaguez no mês de dezembro

- às vésperas do natal -

sem pessoas nos pontos de ônibus

cães ladrando pelas ruas

e larápios espreitando a melhor ocasião.

Básicos são os tombos que se cai no caminho de volta pra casa

com a gravata retorcida no colarinho da camisa

e a cara amassada de tanto sono.

Básico é a chave da porta da sala

que insiste em não abrir a fechadura do portão

e o movimento do lápis desembestado na folha

e o da borracha, desgovernada na contramão.

Básico são os outros, nós não.

JWPapa
Enviado por JWPapa em 26/10/2017
Reeditado em 31/03/2018
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