"Vazios"
Quando a vida me envenenou o coração infantil
Eu vi morrer aquele garoto do sertão
Que percorria a vida
Desviando da fome de pé no chão
Nos descaminhos onde a morte espreitava a gente
Entre o sol escaldante
E a rudez da terra ardente
E me vi crescer entre construções cinzentas,
Chãos tingidos de negro
Cercado de gente solitária
Sentindo o frio da solidão
Nos desolhares da multidão
Que apressada desvia da morte
Encomendada em balas perdidas
Hoje, acostumei-me com a metrópole
Mais ainda sinto saudade do rio nômade
Que nos deixava com sede
E da varanda da casinha de taipa
Onde meu pai via o entardecer
Enfurnado numa rede
Descansando da lida
Balançando-se em ilusões
E das estrelinhas que saiam da lenha
Que ardia no fogão
Onde minha mãe cozinhava panelas
Amassadas e feias
Para enganar os nossos estômagos
Com um punhado de feijão
Só não sinto saudade da insaciável morte
Que queria ao menos um sobejo de nós
Aqui, nesse emaranhado de sons confusos
Vou vivendo meus dias com uma certa fartura
Mais sinto que há vazios em mim
Como nunca houve antes
E nem sei mais o que vim buscar aqui
Na cidade grande
Aqui onde a simplicidade não mora
E onde a violência nos embosca em cada esquina
Percebo que não vim sozinho pra cá
A insaciável morte seguiu-me
E não se cansa de erguer os talheres a cada instante
Para se deliciar de vidas vazias.
Varley Farias Rodrigues