RECANTO
RECANTO
Neste recanto
De poetas desconhecidos
Nomes perdem-se em listas
Em que caímos e achamos ao acaso
De aurora ao poente
Surgem versos estrelados
De chão, de barulhos
De cadentes, de incandescentes
De amores idos e vindos
De lembranças saudosas
Em versos e prosas
De palavras em chuva
De noites, de dias,
De luas
De sóis e nuvens
De assopros de vida
De arroubos de morte
De uivos de dor
De espelhos da verdade
De outros em cacos
De palavras ao vento
Sem rosto sem espelho
De vozes sem eco
De ecos canoros
De sonos perdidos
De sonhos idem
De achados
De coisas fugazes
De cartas sem ases
De nomes sem medo
De outros escondidos
De canetas sem cores
De lápis indecisos
De digitadores precisos
Que postam na lua
Que falam da rua
Ou da cama
Da dama
Da cana
Que embriaga
Da mão que ora bate
Ora afaga
Do gozo do bicho
Do homem no nicho
No lixo
Da mulher amada
Inacabada
Que sempre ressurge
Repaginada
Da folha manchada
Da flor encarnada
Da borboleta que voa
Da folha que cai
Da boca que vai
A busca de outra
Que lhe comente
Que lhe infle o ego
E não fique cego
Ao cheiro doce que exala
A baunilha da poesia
Que não se apaga
Apenas dorme na memória
Sorrindo ou chorando
Sob pele de lobo
Ou cordeiro
Aquele cheiro
De mulher açucarada
Que no princípio era serpente
Ou maçã
Poética vermelha
De paixão infinita
De paraíso de gozo
Num inferno delicioso
Que é gozado pelo leitor
Na emoção truncada
Sem dicção
Na classe do poema
Que posa de emblema
Mas é fuga de escrevinhador
Pessoa fingidor
Num mundo que não é fácil
Que vende facilidades
De fala vazia
De revelia
Que só a poesia
Recantada
Sobreviva aos dias
De tanta estranheza
De bocas faladas
Cantadas ou caladas
Num canto
Que empresta ao poeta
O mundo completo
De incompletude
Solidão e solitude