para José Lara, homenagem para meu pai
Meu pai ainda está entre nós mas está sofrendo,
doente na cama, na santa casa, na hemodiálise.
Meu pai é homem de poucas palavras,
gestos econômicos
e um sorriso lindo que já faz falta.
Desde pequeno eu via meu pai sorrir
quando ouvia palavras novas soltas no ar,
palavras que ainda não conhecia
mas que tinham 'som brincante'
que ele distinguia com uma alegria
que me deixava intrigado.
Meu pai ensinou-me ouvir as palavras
mas nunca me ensinou,
sem que um soubesse o dom que o outro tinha
ouvíamos juntos.
Ele sorria, esfregava as mãos como se o gesto
traduzisse os significados novos
das novas palavras soltas no ar
que só ele e eu ouvíamos.
Meu pai tem ouvidos de músico
e coração de poeta,
mas não sabe que é músico e poeta.
Meu pai é um homem simples, sem erudição
ou outros refinamentos da cultura
que muitas vezes imbeciliza quem se arroga
no direito de ser melhor que os outros.
Meu pai nunca se fez distinguir melhor
ou diminuiu qualquer pessoa
fosse qual fosse o motivo.
Meu pai nunca desfez de ninguém
por qualquer motivo,
nunca tirou satisfação da sua razão
mesmo quando estava coberto de razão.
Meu pai nunca desmereceu ninguém,
nunca colocou apelido pejorativo
ou riu de piadas de mal gosto.
Meu pai é homem de reza, de terço e novena
mas nunca desmereceu religião alguma.
Meu pai ainda está entre nós mas está sofrendo,
doente na cama, na santa casa, na hemodiálise.
Enquanto escrevo, meu pai está internado
talvez sonhe com os sertões das Gerais
onde foi menino, onde cresceu,
o sertão de Minas que nos habita.
Passei uma noite em vigília com ele
parecia um passarinho esquecido de suas asas
então soprei umas palavras no seu ouvido
acredito que ele vai voar...
*
*
do seu filho que te ama, Baltazar