Heterônimos de Pessoa
De todos os heterônimos de Pessoa, Bernardo Soares é o livro do desassossego do meu coração.
Dele, os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os absurdos – a ânsia de coisas impossíveis, precisamente porque são impossíveis, a saudade do que nunca houve e o desejo do que poderia ter sido.
Não é como Álvaro de Campos de quem se diz, sobretudo, o cansaço. Nem disto, nem daquilo, Cansaço assim mesmo, ele mesmo, Cansaço.
Em Bernardo Soares, que também poderia para meu encanto ser Chico Buarque, não tem descanso, nem nunca terá; não tem cansaço, nem nunca terá. Não tem limite.
Nem é como Alberto Caeiro, que não tem pressa. Pressa de quê? Não têm pressa o sol e a lua: estão certos. Nele não há certeza. Nenhuma certeza. Só correnteza é o que há.
Nem como Ricardo Reis, que me manda seguir o meu destino, regar as minhas plantas e amar as minhas rosas, que o resto é sombra de árvores alheias e ama o que vê porque deixará um dia de vê. Bernardo Soares me faz amar sem ver. Pr'além do que é meu. E acreditar sem tocar.
Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos, me ensina por dentro, por baixo da palavra. No ponto supremo da abstenção sonhadora os sentidos se mesclam, os sentimentos se extravasam, as ideais se entrepenetram. Assim como as cores e os sons sabem uns aos outros, as coisas mais concretas sabem as mais abstratas, e as abstratas as concretas. Quebram-se os laços que, ao mesmo tempo que ligavam tudo, separavam tudo, isolando cada elemento. Tudo se funde e confunde. No rastro. Nessa estrada de poesia.
Dos heterônimos de Pessoa, Bernardo Soares me dá ar e asas. Eu voo.