entre salmos

Entre salmos

Entre o grito angustiante

Desse chão desértico

E a voz de um deus

Que parece sempre certo

Levanta-se um NÃO!

Em efervescente dúvida:

- O que existe, além dessa agonia,

A libertar a nostalgia prenhe?

Pode seja alguém vindo

De há dez mil anos…

Ou alguém nascendo agora,

Por engano…

Mas esse alguém gritante

Inda falará em paz,

Essa paz desiludida antes,

Posta na égide do dia

Que virá por hoje

Optar pela sangria

Dos valores pétreos

Da geração que morre

Sem voltar atrás.

Quisera a dúvida ser apenas esta,

Mas corre sangue ainda em faces mortas,

Deixadas ficar pelas derrotas…

Alguém gemendo entre moribundos

Desse massacre em nome de religiões,

Mesmo com seus membros decepados

Ferve de fé sua máxima dor…

Alguém a ensinar como pode

Um sarcófago deixado para trás

Levantar-se na penumbra de sua fé

A perscrutar as novas teorias…

E ser capaz?

Porque, enfim, a voz que sussurrava

De um túmulo milenar acorda,

Põe em dúvida a fé cega dos demais

E se levanta… Sim, levanta-se a alma

Desse antigo apóstolo

E se diz incrédulo desse monoteísmo

Que sofre fomes e sedento aceita

Como destino!

Cada palavra é uma única palavra,

O que faz todo sentido para um

Ao outro não diz nada…

Pode seja a vida uma passagem

Como pode ser o fim, finalmente,

Entre outras galáxias,

E de repente morre-se a carne

Apodrecida que seria vida,

E some-se a chamada alma,

Por desprovida…

Quem sabe… Oh, quem saberá

O que se passa sob a terra acima

Cobrindo a sete palmos

A chamada dor da vida?!

Estariam certos os incrédulos?

A dúvida que esse deus duvida

Pode ser a verdade definitiva?

O chão que nos protege

Seria o céu esperado antes,

Ou apenas somos passantes

Como o foram os dinossauros,

E sabe-se lá quantos?

Mas deve haver sim uma alma

Libertando-se deste corpo inerme

A cada vez que morre

Um coração cansado

Ou um fígado destroçado

Pelos vermes…

Ah, que bom seria a certeza

Dessa hora, a finda hora

De respirar convulso

E desligar-se mesmo os tubos

E a esfera a esfarelar-se nisso

Que o doutor inspira e densa:

- Foi-se a vida.

Mas que vida se foi agora?

A mesma que seria tua espera?

É… Contigo, amigo,

Que procuras tal resposta,

Chegada tua hora

De uma dor profunda,

Saber se existe mesmo

Nova aurora

Ou se findou-se aquela fé

No mundo…

O que fazer do feto nascituro

Se ele vem morto,

Ou se vive penitências?

Ou que fazer desse senhor

Que afoga-se em mágoas

Mas inda respira

Sua última batalha

De um guerra

Que já foi perdida?

Entre o grito angustiante

Desse chão desértico

E a voz de um deus

Que parece sempre certo

O homo sapiens caminha ainda

Com machadinha e procura

O calor do fogo para sua intensa

Dor ao gelo que avizinha…

Faz tempo que morremos disso,

Das dores nesses peitos duros,

Das fomes nessas mentes vis…

Por tempos imemoriais passamos

Das dores físicas às dores morais,

Arrependidos de feitos pobres

Entre os feitos amorais…

Estávamos nus sob esse gelo,

Vestimo-nos pela sobrevida

Ou pelo pejo?

Somos o resultado evolutivo

Ou somos mesmo frutos

Desse barro para aonde

Retornamos, idos?

Pois é, meu santo,

Quanto me proteges

Das dores suportadas pela fé?

E aos ateus, nobres senhores

De sua gnômica palavra

Entre cordeiros que não dizem nada

Quando sacrificados ao chão

Perdido entre mágoas?

E o santo a que santo paga?

Se somos devedores de pecados

Por que então absolutos fardos?

Se esta força de não crer em nada

Pode ser a palavra que salva

Quantos inquiridos foram salvos

Na inquisição forçada?

Pois é, meu agnóstico pecador,

Como te proteges

Dessa dor?

Se a vida acaba,

E ao acabar perdoa mágoas,

Pois vê-se a quietude

Desses defuntos deixados sós,

Que o tempo comerá suas carnes

E deixará os ossos a rir de nós…

Nós, que tememos a morte física

E não sabemos aceitar

A tísica proposta de voltar…

E, se volta, pode ser a solução

Mais lógica, onde estarão o idos

D’outras gerações, se somos

Muitos mais a cada nascedouro?

A cada geração povoamos vilas

Que se transformam em metrópoles

A nos suportar, se tantos…

Tantos se revoltam

Por não ter esperança monetária,

Que aos outros encanta…

Por fim, o que somos nós,

De tantas faces perdulárias,

Se gastamos o que nos faz

Endividados por gerações,

Futuras ou passadas?

Somos a soma das espécies?

A fina flor do que nem floresce

Entre daninhas a nos reflorestar?

A dúvida faz parte de nós,

Que dogmas mal explicam

E a ciência tenta explicar.

Somos o grito angustiante

Desse chão desértico

E a voz de um deus

Que parece sempre certo…

Ao apregoar.

sergio donadio
Enviado por sergio donadio em 04/10/2017
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