Ninguém
sua boca crispada, prenúncio da morte
seu seio seco, sopro agudo
seus olhos compridos a espera de alguém
seu contorno, traço de um desejo azedo
seu estigma, seu pranto
sua origem, seu desencanto
sua face surrada
(embora parecesse criança)
sua sombra profana
sua dor latente
sua presença opaca
sua ignorância
de ser sistematicamente
ignorada
sua herança
sua mácula
seus pertences roubados
seu corpo violado
sua condição hereditária
seu medo
e o medo provocado
seu nome esquecido
seu teto arranjado
sua caminhada
suas chagas
seu ser ninguém
sua inexistência programada
e a cidade inteira
pulsante, alheia
a poucos passos da calçada.