Ninguém

sua boca crispada, prenúncio da morte

seu seio seco, sopro agudo

seus olhos compridos a espera de alguém

seu contorno, traço de um desejo azedo

seu estigma, seu pranto

sua origem, seu desencanto

sua face surrada

(embora parecesse criança)

sua sombra profana

sua dor latente

sua presença opaca

sua ignorância

de ser sistematicamente

ignorada

sua herança

sua mácula

seus pertences roubados

seu corpo violado

sua condição hereditária

seu medo

e o medo provocado

seu nome esquecido

seu teto arranjado

sua caminhada

suas chagas

seu ser ninguém

sua inexistência programada

e a cidade inteira

pulsante, alheia

a poucos passos da calçada.

pedro toscan
Enviado por pedro toscan em 03/10/2017
Reeditado em 03/10/2017
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