EU ME LEMBRO III

EU ME LEMBRO III - ADILSON SOZINHO

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Quando deixei o bairro dos assimilados

Para morar cá no bairro dos assassinados, psicologicamente!

Mataram neles a vontade de ser mais do que são e de viver mais do que vivem, mataram nesta gente o poder de dizer que podemos!

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Mas antes disso, eu me lembro quando ainda estava a caminho de cá, levando comigo os costumes do lado de lá, tremi quando o cimento cessou nos meus passos, quando os primeiros andares ocultaram-se dos meus olhares!

Mas que mal havia?

Ia lá passar apenas uns dias!

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Mas nunca mais voltei a ver-me cercado de alvenaria

Na minha nova casa era só chão queimado, cercado e coberto de madeira e zinco.

No quarto apenas um sexto e um colchão onde dormíamos três!

Forte era o arrepio,

Pelo tremendo frio

Das madrugadas.

A estrutura semi-precária baixava mais os graus

Cedo era difícil de caminhar ainda que não houvesse nenhum degrau.

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Eu me lembro de sair de um mundo para outro mundo sem mudar de país

Eu me lembro de ter aprendido a agradecer o menos e conservar o mais.

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Eu me lembro de fartura e muita miséria

De muita alegria e frustrações fúnebres.

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Eu me lembro de fome, desgraça, desespero e insónia nas noites de chuva, despertados pelo colchão todo exarcado de inundação, senti que morávamos na rua entre quatro paredes!

Sem mantimentos, eu me lembro da única refeição daquele dia, papas de milho e leite em pó para dar sabor aquele alimento que não passava a garganta, um tormento a mesa da minha família.

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Mas só quando vivemos dois pudemos jantar como muito finos em dieta rigorosa,

Limão com sal e água!

Era melhor nos dias que vivíamos apenas a base de arroz, minha casa uma porção da Ásia.

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Eu me lembro de ver anjos e desafiar inferno, de confiar em Deus

E todas madrugadas orar pelos meus,

Todos vocês!

Já nem o som dos batuques na penumbra me intimidavam.

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Mas eu me lembro de toda fé cair por terra, para além das dúvidas, nasceu em mim uma ferra.

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Eu me lembro de muita luta e muito fracasso.

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Eu me lembro de pouca luta e muito sucesso.

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Eu me lembro de abandono e mortes subsequentes, de loucura e drogas, revolta e ira!

Eume lembro de não ser mais eu, perdi-me até chegar aqui onde mal me encontro!