Poema do Urubu
Urubu quando voa
deixa abertas as asas.
O ar para ele é plataforma
não de voo, mas de salto.
Mas nesse seu movimento
mei que se nota algo:
não tem ele a queda livre
que se vê nos outros pássaros
parece que ali o tempo
foi em parte congelado.
Não se vê ele caindo
apenas planando o espaço
como que, com seu gesto
alguma coisa nos falasse.
Atentando-nos os sentidos
ao teor de sua mensagem.
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Quem sabe se esse voo
não é somente miragem,
tem um ar sacerdotal
semelhante ao dos padres
que deixa perceber-se
em sua cabeça calva
e no negro com que se veste
como de roupa roupa sagrada.
Terá ele o gesto de missa
com seu rito estagnado?
Por que ele em seu voo
tem apelo de eternidade?
Será por ser sua presença
um anúncio, uma chamada
do dia em que o tempo a nós
não será mais de contagem?
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Talvez seja esse o motivo
de que sua feiura de pássaro
se ofusque quando voando
ele domina o espaço
Ele carrega planando
ar de augusta majestade
de diplomatas que portam
insígnias de autoridade.
Por isso o ar não carece,
de ser por ele domado.
Ao contrário, o conduz
como a alguém importante.
Um convidado ilustre
porém não convidado.
Mas que entra sempre
pela porta das casas.
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Por ser arauto da morte,
com sua foice afiada
tem ele a lentidão de agonia
com que plana pelos ares.
O urubu não tem pressa
de correr até a carcaça.
Ela jaz ali imóvel
esperando devorar-se.
Porém o tempo ceifeiro,
ceifa também seus arautos,
um dia eles também leem
o teor de sua carta
e o peso que representa
a mensagem de suas asas.
O tempo também os derruba
para também devorá-los.