Ars Moriendi
És o que fomos
serás o que somos.
Ó tu, que passas
neste dito caminho.
Que provas o vinho,
que amas e abraças.
Tu, que belo nas praças
és símbolo altivo,
a beleza dos vivos.
Do Hades vem, pois e escuta
a clamor que executa
a litania dos sonhos...
lembra-te: És o que fomos
Serás o que somos.
Se rubras tuas faces,
tal rosas nascidas
Co'a infância vencida
e os amores vorazes;
se as cartas fugazes
te enchem o armário
da vida o salário
o tempo, paciente, perscruta
e, ao fim da labuta
de luto enche o cômodo.
Não esqueças, não fujas: És o que fomos
Serás o que somos.
Se teu pendão de vítória
flameja nos ares,
se altivo olhares
teu imperio de agora.
Não esqueças que outrora
herois desta terra
caíram na guerra
e os corpos robustos,
se encheram de luto
despidos de fama, alheios de glória...
Ouve, pois, rememora: És o que fomos
serás o que somos.
Um tempo houve reis,
imperadores e papas
de púrpuras capas
e de altivos corcéis.
Seus dourados broquéis
intimidaram a muitos,
mas seu sábio intuito
não livrou-os das marcas
do sibilo das Parcas
que tecem e que cortam...
Não te assustes, recorda: És o que fomos
Serás o que somos.
Ó, tu sabes, a vida passa
sem poema, sem rima...
e a morte se arrima
de casa em casa...
e um dia ela passa
a atravessar teus umbrais
com litanias e ais
que encherão o aposento
findarão os contentos
tão festivos outrora
E há de chegar essa hora
em que tua voz vai juntar-se
ao coral dos que dormem
no reino hediondo
e conosco aos que passam:
Dirás: És o que fomos
Serás o que somos!