O Regresso.
Eu queria não ter deixado de ser menino
Queria ter toda aquela impulsividade velada em meu corpo
Para não temer excessivamente meus medos.
Queria voltar a ser jovem
Manter os sonhos ainda vívidos
E mostrar ao mundo toda minha capacidade.
Todos os meus dons.
Hoje estou um pouco mais velho
E em meus olhos fica claro que por muito chorei
Que nem tudo na vida foram sorrisos
Mas ainda que não fossem sorrisos
Eu tinha o direito de sonhar.
Mal sonhei, e já não podia tê-los.
Mal os busquei, e já havia-os perdido —
Mas quem nos tirou o direito ao sonho?...
Eu vejo os olhos dos homens nas ruas
E neles não encontro nada
Os corpos das moças, estes pesam
Pesam mais que parecem pesar
As crianças desconhecem a esperança
Pois não há mais tempo para esperança.
O que restou foi somente a vida
Em sua nítida obrigação de ser vivida.
Eu tinha sonhos, eu tinha talentos.
Eu poderia ter sido tantas coisas...
Mas quantos por aí vivem seus sonhos?
Quantos, mesmo os tendo, vivem ridicularmente?...
Os outros me dizem que da vida pouco fiz — não
Eles dizem que nada fiz. Que nada fui. Que nada tentei.
Ora mais que tolos! Sonho é coisa que se perde
De pouquinho a pouquinho, dia depois dia.
Se perde em todas as manhãs ao sair para trabalhar
E perceber que não era bem aquilo que se queria.
Sonho se perde ao voltar pra casa e dormir crendo
Que amanhã terá uma nova chance de buscá-lo
Para no fim aceitar que os perdeu, e o tempo passou
E a vivacidade se foi, e as mãos, antes fortes e rígidas
Agora, já não suportam mais o árduo trabalho
De ir em busca de um sonho.
Eu queria não ter deixado de ser menino
Manter meus sonhos ainda vívidos
Junto com a inocência que paira
Sobre todas as coisas e seres.
Menino sonha sem saber o porquê.
Ele sonha sua vida espontaneamente.
E enquanto não vivo meus sonhos
Vou dormindo a vida.
Sonhando ser menino outra vez.