DOMINGO É HOJE - queria escrever um poema anti-Temer

eu queria escrever um poema anti-Temer

um poema manifesto-corajoso

daqueles que dá ibope nas redes sociais

mas isso só esconderia

a vileza do pensamento constante

que dá no tiro que silenciou John Lennon

eu queria escrever aquele poema

que ficou engasgado no meu grito

quando vi os turistas atropelados em Barcelona

mas as notícias servem apenas para pontuar

no mapa mundi o quando o mundo é mesmo pequeno

para mostrar que a desgraça vira lenga lenga

costurada em outra coisa sem graça

quando se muda de canal para assistir 'o melhor do Brasil'

eu queria escrever com vigor juvenil

sobre a revolução que mudará o país

ensaiando a luta armada

junto dos jovens cara-pálidas que nasceram ontem

e não lavam nem as fraldas nem o prato onde comem

apelando para o que é fácil depois de embriagados

de maconha,

cerveja e sonhos mortos no fast-food do Habib's.

eu queria, não quero mais.

nem queria, eu quero mais.

não quero poema que não seja inútil

porque hoje é domingo, dia do senhor.

não o senhor das moscas que vivem da bosta

jogada no ventilador que é manchete na televisão

para esses a revolução é possível, a luta armada

despena a rosa e o noticiário um mal necessário.

hoje é dia do senhor que todos os dias

cozinha, lava e passa à limpo as ideias

que o consome

ideias que duram no tempo

embrião da beleza fútil e prosaica de um dia de domingo

ideias embriões que não se deixam mutilar

pela fome desmesurada de vender mais-valia.

.

eu não sou ateu mas também não sou burro

toda a civilização agoniza sobre os pilares da fé

e justamente porque hoje é domingo

ou talvez porque o amor

põe na minha mesa comida feita à mão

esquecido do vexame que é a democracia

sonhando parlamentarismos monarquistas

faça da livre associação par de asas e nenhuma poesia.

por mais contraditório que ao anarquista

mascarado pareça ser, o domingo é hoje.

dia do senhor

do eterno que à tudo emudece

da vontade bruta, mansa e paciente

dia propício para dizer simplesmente que nada muda

e escrever alguns versos livres

que na forma sinalize a liberdade

de quem possa celebrar junto

o canto que se cante em qualquer parte.

*

a roseira floriu

a chuva não veio

a nação dormiu

*

*

Baltazar

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 21/08/2017
Reeditado em 22/08/2017
Código do texto: T6090432
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