Voo
Eu sonhei que perderia o voo. Eu perderia.
O futuro-passado atormenta. Mas estava ali o ápice onírico da realidade. Perder o voo impelia abrir as asas. Eu não disse minhas asas. Perdi a primeira pessoa. A segunda me mostrou tua face. A terceira é invento.
Eu sonhei que perderia o voo e voaria. Como, de resto, vivo a viver. Em alternância com subsolos e porões. Sempre aquém e além. Sempre mais à margem que ao centro. Sempre fora da pauta é o lugar da poesia. Tudo o mais são papéis. E a persistência de máscaras e rabiscos.
Eu sonhei que perderia o voo, voaria e voei. Nenhuma palavra traduz o voo. O voo é quase. A experiência do impossível. Sempre o ar seguinte batendo no rosto. O que vem. O ven-tu. A liberdade não é só uma antinomia. Tampouco o amor é. A invenção é o infinito.
Eu sonhei que perderia o voo e acordei sob a chegada do azul.