PRIMAVERA QUE VIRÁ
 


Começam removendo dessa praça a estátua
Da qual dirão, entre outras coisas, que entre as feias
‘Era a pior, ofendia ao pombo e a alguns sem-teto,’
Dirão – mas ninguém pode assassinar idéias.
 
Guindaste contra o símbolo que não convém –
Começa assim – trabalha feito um grande inseto
Que não quer perder tempo ao corrigir a falha.
Farão barulho em vão, porque ‘não há outro jeito’.
 
Depois, manter quem pela estátua tenha afeto,
‘Essa gentalha intolerante’, ali, na mira
Do Estado Soberano, claro, ninguém quer
Que ‘os erros do passado’ ganhem tal destaque.
 
Oculta a estátua, resta a foto, o filme, a história
Nos livros – vão dizer, no início, ‘Não, não leias!’,
Que ‘todos aprendemos muito errado’, é fato,
Dirão – mas ninguém pode assassinar idéias.
 
Virão fogueiras, na seqüência previsível
Dos acontecimentos, páginas às chamas
Mais famintas tragando os símbolos sagrados
Dos grimórios proscritos, o saber proibido.
 
Então também os proprietários de tais livros,
Filmes, fotos – história! – deverão temer
Injúrias e prisões por tráfico de ilícitos
Artigos ofensivos aos ditames do Estado.
 
Depois, após fogueira, cinza em montes mornos
Desfeitos por um vento de gelar as veias
Em primavera que virá sem seus adornos,
E a luz sinistra semelhante a de alguns fornos...
 
Não sei... – mas ninguém pode assassinar idéias.

 
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Israel Rozário
Enviado por Israel Rozário em 16/08/2017
Reeditado em 29/08/2017
Código do texto: T6085261
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