Revelação

Talvez eu queira voltar no tempo, ouvir os primeiros sons, a pronúncia da infância, as construções ao chão, as anotações na parede e os cadernos secretos da memória.

Talvez eu queira a mudança, os arranjos, as amarras, os inventos, até o uso esquecido das brincadeiras e o silêncio testemunhando a história.

Talvez eu queira as trapaças, a noite, a liberdade de dizer, cavar o subsolo, subir em árvore, voar ao vento, cantar e me enamorar do rio caudaloso dos sentidos.

Talvez eu queira despir o hábito, vestir as horas, ignorar os modos, desabitar lugares, transgredir, ressignificar e seguir, ainda que morta, no rastro do que é.

Talvez eu queira ser a coisa mais simples do mundo e também a mais imbricada, a teia, o elo de ligação, a imagem por vir, uma lágrima, um riso, um nó na garganta.

Talvez eu queira ser palavra. E, por um instante vivo, deixar meu corpo penetrar teus olhos, atravessar teus poros, pausar na tua boca e, por sublime, escrever no teu verso.