Erasmo e Luis
Ele passa a noite regando o jardim engolido em uma espécie de satisfação carnal,
Ficava até as seis, logo tomava um café e entregava o jornal.
Era admirável a naturalidade com a qual levava o seu ofício.
Admirava-me o jeito que falava da vida como se fosse algo normal.
Uma vez me disse que estava cansado da noite e mudaria pro dia,
Noturno Erasmo vá com tudo engolir o dia,
Noite finda.
Nos complexos verticais com mais de centenas de famílias
Empilhadas e acomodadas em seus respectivos lares,
Saltava estranhas figuras habitantes de fortalezas edificadas em pares.
O rosto do vizinho a gente desconhecia, quem era a gente não sabia.
Mas no elevador que subia e descia não tardava a encontrar
Aquele mesmo que causava gritaria e levava tudo a desmoronar,
Até o misterioso morador que de tão simpático e solitário só restava imaginar.
E eu realmente imagino o que realmente é ser parte de um todo tão sem pé,
Criado pela democracia e pela economia esperado pra aparentar total sintonia,
Torna-se a nova interrogação do dia, a quebra da interpretação lógica já interrompida.
Meu amigo Luis que aqui vinha tocar viola na noite fria,
E regado a álcool e alegria tornava toda essa lama em argila.
Conversávamos sobre o condomínio e suas bizarrices,
E modelávamos com calma a realidade do modo que a gente queria.
E o mais estranho de tudo isso é agora mesmo ser brecado a teclar,
Sendo chamado pelo barulho estridente do celular, um assovio de arregalar.
Eu só não podia esperar que fosse o próprio, amigo do prédio e desse lugar,
Que por aqui tocávamos e falávamos de noites como essa,
Quietas, sólidas e sensatas perante todo o luar.