DO MENINO AO PROFETA: VIVER E ANUNCIAR/DENUNCIAR...
1. Ó MENINO
Não tens ainda no coração
A dor deste desvario do mundo
Inclemente.
Tem-se, já o sofrer das gentes das tardes de luta
Ou os traços no rosto da pisada do trabalho
Da fome
Dos sinais da morte cultural
Revelas tua pobre condição.
Que hás de quereres?
E quem as de te querer?
Se vives no campo ou na cidade
Em um seio de lar, sorrias e chores neste lugar,
Que sonhas agora acontecer
E o que vês sem demora?
Sei que cada menino
És único e impreciso e nem preciso
Dizer-te és múltiplo em rostos desfalecidos e
Desconsertadamente, ainda sorris e caminhas....
Não sei se o progresso te adotou
E teu familiar te enxotou,
Se tens ainda alimento e uma tenda como a minha...
É o homem fez fardo e fado...
O homem despojado e nu frente ao amanhã
Oculto que, em ti, se manifestará.
E o talento ou a dor
Que se construirá
Em ti, ó menino!
2. OS PEIXES COLORIDOS - 28/07/07
São peixes coloridos da praça
Colorem a vida e os olhos da gente.
É bom limpar a fonte da água
Vejam água não polutas
Sem cigarros e catarros...
São sinais de tempos antigos
E rios límpidos.
Mergulhados em nosso imaginário
E histórias de gente simples e pescadores
Sem rede
Com sede de vencer.
Meu Deus, por que multiplicastes os peixes para o povo,
Enquanto nos desmultiplicamos a vida de lagos e águas?
Que cobardia estranha
Na nossa maré e na frágil nave da vida.
Cuidado, o bicho homem vem aí!
3. Castelo no Ar
Sonho do meu pomar
Utopias que vou somar
Projetos dispersos do meu lagar,
Artemanhas que não posso delectar
Remédios para meu tédio e mau humor,
Vida-criança aqui: palpitando
Entre-lugar a me incomodar.
4. MEU RIACHO
Era pequeno, eu me lembro,
À tarde, ao riacho me achegava,
Era este o riacho que alegrava meu coração.
Cheio de peixinhos lindos,
Pedras com cor e cheiro da natureza
A cantiga amiga a embalar meus tempos idos.
Não acreditava que tudo mudaria
No meu mundo que
Abafou o meu riacho,
Este foi o meu tempo,
Hoje maltrato na cidade pelo esgoto
Os seres alados ali desapareceram
E a manhã não é a mesma.
Tudo passou tão rápido como um tufão.
A pedra descorolada e descorada
E o cheio de poluição descomedida
É a crueza da malvadeza
Des-humana.
Este era meu doce riacho,
Ele ficou esquecido na foto amarelecida no armário.
E a minha infância perdida na memória.
5. GARUPA
A lambreta de meu pai
Era a delicia de minha viagem
À sua garupa amiga.
Na cidade e no campo,
Eu atrás com braços-cipós em arvore altaneira
Crescia em sombra firme.
E o filme segue à emoção,
No fechar de olhos, recordo, feliz,
O vento no rosto, enquanto a manhã desponta lá fora
Como outrora,
E vejo como observador em outros pontos incríveis
A minha história com meu pai,
A paisagem permite na mente que lembra
O que foi à luz do que não sou mais:
A lambreta a conquistar espaços como em um filme
Evocando pedaços do meu passado
De momento inesquecível
E ergo ao céu a oração e o silêncio completa esta sensação de que não estou só
meu pai está indo comigo e eu à sua garupa feliz.
6. Inverno
Quase tudo azul
Se não fossem estas queimadas.
As práticas e heranças nativas
Persistem
Enquanto o aquecimento da calota polar
Preocupam cientistas e ecologistas
E a fatalidade mortal
Incondicional ronda nossas casas e corpos frágeis e fáceis
Diante das borrascas e repentinas monções
Em partículas noviças, insípidas e invisíveis
Detonam nos sistemas endógenos
E do olho vem uma gota lacrimógica indomável e in-dopável.
De protesto, de denuncia, de desespero ínclito e mudo
Nas manchas não celestiáveis
De veneno antivida a in-vitaminar os pulmões dos tempos
E o céu continua quase e não mais azul.
Tarde com você, meu coração
Não escrevo na madeira da sala
Para não rabisca-la , por ordem sua.
Escrevo na ladeira de seu coração
Sem rabiscar nosso amor fiel.
Não grito palavras torpes ao seu ouvido
Deixo vir aqui meu gemido tonal à sua alma
Não peço contra a etiqueta da ética
Na certeza de que brutalidades e indelicadezas vão nos macular.
Toco as mãos em palma como quem eleva a prece em alma
Nas cordas do amor da harpa da musicalidade do templo divino.
7. DECEPÇÃO
Alguém me liga
Não quer saber se estou bem
Deixa-se antever pela intriga,
Esqueceu que foi minha amiga.
Não falem mal de mim.
Fiquei sabendo coisas assim...
Quem não deve não teme.
As fofocas quais esporos ao ar
São capazes de matar a verdade
Foram diluídas, rápidas e nefastas.
Não há um só em quem confiar.
Parece que o circo fechou as portas.
Parece que o fogo alastrou-se
E as comportas se ruíram...
Parece que o círculo vicioso
Da maldade completou sua sina e quer ferir
Quem quer que seja...
Querem um bode expiatório, compulsório,
Neste território sem ninguém,
Tiradentes, um tolo confesso, todos se calam em pleno júri e processo.
Cumplicidade e silêncio omisso
Às escondidas armam rede
Para apanhar o justo ainda hoje, sem dó neste arredor.
8. PROFETA
Eis que a voz grita ainda neste deserto
A pá foi colocado à raiz maldita.
Ele pagará por ser profeta.
Anuncia a verdade crua
E não pensa nas consequências.
Todo profeta infesta o sistema.
Denuncia a corrupção, fica sozinho na contramão.
Ainda que ele seja ele mesmo imperfeito,
Dá ares de perfeição, a preço de quê?
Sra jogado à vulnerabilidade,
Pegou contra nossa sociedade.
Anátema da marginalidade,
Será mal-visto, sem direito e sem passaporte...
Terá ficha suja e réprobo ao exílio, sem fim.
Não terá ninguém pena dele até aqui.
Esse bando de covardes, assim pensam.
Incomodara os grandes, esse pequeno nome.
Desmascara os intermediários,
Inquieta os acomodados presos no gargalo
Que aceitam a perfídia
Do mundo de conluios...
É a cultura da cumplicidade e da omissão.
E muitos ainda justificam: o mundo será sempre assim!
Quem manda ser o tal!
Que ele pague pelo que fez!
Pois quis ser diferente, moralizar, apareceu demais, mais que nós...
Vamos ver se Deus o tira desta
Enrascada em que se meteu.
E Jesus diz: “Também trataram assim, deste modo,
Os profetas antes de vocês.”