DEPREENDER PENSAMENTOS: A SOLTURA DO ENTENDIMENTO [ou iluminismo do desapego
Essa noite tem cheiro de desprendimento
Uma solidão curiosa espia pela janela
Essas luzes de sódio não têm a cumplicidade
Das lâmpadas de mercúrio.
O vento é vago
Não toca nem beija
Mas um aroma adolescente
Invade a sala.
Uma música parece soar distante
Enviesada como a valsa húngara
Cujo baile moveu-se
Dos salões da memória
Partindo pela via estreita
Donde se ouvia o salto
Ébrio do sapato ranger
Dois passos, um trote de equilíbrio...
Ops!
O solo é raso,
Agrupado de pedras.
Preferiria o cascalho
Com sua (per)feição campestre.
Não batera à porta
Não chamou.
Era domingo
Não havia expediente.
Estrelas faltantes
Estômago licencioso
A liberdade se alastrou
Tomou voo pela esplanada
Durante a noite de desprendimento
A melodia, matéria vibrante,
Na qual eu havia, sem notar, me imergido
Selou-me em notas amadeiradas e cítricas
Denso orvalho eu respirava
Fluía...
Visitei alguns países, rios, museus,
Casas comuns e mobiliadas
Só não via gente aos arredores.
O mundo estava solto
E o arranjo da música,
Cujo estilo e ritmo eu ditava
Emanava do meu peito
Devagar, alto, devagar
Alto, baixo, depressa...
Grave, agudo, grave
Estridente, confortável.
Retornando à sala,
Leve de mim e levado assim
Causei espanto ao escritor
De longos cabelos
Que matutava à janela
Pela madrugada contínua
De segunda-feira.