Oração a Abraxas
Dentro de mim há uma infinitude de dessemelhantes entidades.
Um dia sou donzela imaculada embalada em alvas vestes de seda
Outro feiticeira mãe e filha de Maya, e nela costuro-me de eternas mandalas de vida.
Perante ao sopro crepuscular sou corpulento homem, robusto e ébrio, pai da honra e do mundo de mim mesmo.
Se sob a luz estival sou equilíbrio
Na brisa hibernal torno-me premência e avidez e Ego.
E quando em humildade tanjo aos braços de Deus
Tão logo demônios devoram-me
E regem toda a amplidão do meu ser
E exibem-me aos seus domínios infinitos.
Se mergulho em oceano de paz e em leves nectáreas correntes delicio-me de júbilo profundo
Em ínfima posterioridade temporal perco-me em turbulências desesperadas e jamais domináveis.
E se por aluna resignada aprendo venturosa a respirar
Atrevo-me a haurir uma hóstia de ar e sufoco-me em mim.
Inerte sinto as dores do mundo
E fecundo a cinese do Universo para então
Encastoada em redundância,
Aniquilar a súplica individual e
Anular sem jurisprudência a existência do sentir.
Sigo como em vôo intrépido o rastro dos devaneios
E quando dele tomo as rédeas e
Vanglorio-me por sujeitar com imperiosidade
Tal fera indômita e voraz,
Torno-me dela escrava
Impotente silenciosa e subalterna.
Dentro de mim habita e devora-me as entranhas
A perpétua existência da totalidade.
E da comunhão de extremos
Da humilde dissolução do perene e do efêmero em etérea unidade
Fecunda-se a essência plena do Todo.