Palco e poeira
Quando se cerra a cortina do dia
e se encerra a cena da noite vazia
sem aplauso, eu encaro:
Quando haverá um espetáculo?
O homem acorda, levanta.
Às vezes trabalha.
Às vezes se importa.
Às vezes ama.
Às vezes é até bom.
Mas o homem dorme, descansa,
e é só outro homem.
Quando as cortinas do dia se fecham
Essa coisa me come as entranhas.
O estar feliz, ou amargurado,
o estar exausto,apaixonado.
Estar sereno,e o sereno.
A sala de estar,a mesa de estar
Mas nada, nada.
Nada passa esse mal estar.
Um estar,o eterno estar:
Vazio.
Desde o primeiro ato, eu adiciono.
Engulo novas faces, conversas.
Degluto arte ,ciência, vivência.
Ingestão de emoção.
(Há quem joga dinheiro pra dentro
todo dia.)
De modo que eu esperava uma congestão.
Mas quando a cortina do dia se fecha
eu me abro depressa,e encontro
muito, tanto, farto, abundante,
um superexorbitante:
Vazio.
E eu não consigo, não respondo.
A morte significa a vida.
Mas designifica todas as coisas.
Tudo que eu engulo de garfadas
em dias,em sonhos, em poesia
é poeira no palco do mundo.
Sem destino, só jornada.
E eu me sinto lotado,
nutrido, mas não saciado
Desse fardo, desse fado:
Vazio.
Um palco vazio.
Um espetáculo, sim.
Mas sem nenhum sentido.