FRAGMENTOS DO PASSADO.
Na parede da minha casa
tinha um berrante dependurado,
meu pai não tinha gado,
eu olhava o berrante e sofria
a dor do meu pai,
os bois reuniam-se na minha
imaginação,
meu pai , aos domingos apos
o café com quitanda,
pegava o berrante e o fazia
ecoar,
depois, jogava milho para as
galinhas,
eram centenas,
o galináceo varriam o terreiro
com bicos e unhas.
depois ele , meu pai ia a horta,
pegava a melhor verdura,
e colocava na fonte sob as águas
da bica,
eu o acompanhava nesta rotina,
ele ia , pegava o frango debaixo
do balaio,
eu pensava, hoje terá carne,
frango ensopado,
saia de perto nunca gostei de
ver o ato da morte,
minha mãe a esta altura arrumava
a pequena casa,tirava as teias
de aranha e abria as janelas,
eu olhava o berrante dependurado,
meu pai sonha ter gado,
precisava decifrar minha dor,
um dia perguntei-o,
porque o berrante ,
ele me disse , o berrante é a cara
do sertão,
entendi então que meu pai,
não tinha as ambições que me
cortava,
ele me respondeu sereno,
eu gosto mesmo é ter vocês,
viver é transitório, e o tempo
não pode ser perdido em divagações,
um vizinho chegou para levar milho
ao nosso moinho,
então mudei meu pensamento,
fomos para o quintal,
pegamos frutas, jogamos fubá
para os lambaris do córrego,
e assim a manhã lentamente
foi indo,
minha mãe então veio a janela dizer
que o almoço estava pronto,
subimos ao altar do lar,
saciamos a fome,
mas o berrante ainda está
dependurado nas paredes da
minha alma,
como um sonho não realizado,
meu pai conta seus oitenta janeiros,
com a mesma grandeza de
outras eras,
eu estou no caminho tentando
alcançar esta leveza de não
querer acumular o mundo
para depois partir.