O Sambista e o Vento
O sambista, sensível às transparências do mundo, caminha absorto, melodia projetada nos lábios. Foram muitas e muitas horas aos tropeços pela madrugada e há tantas que já não mais se sabe do sambista, muito menos do seu próprio samba. Aquela coisa quente que ilumina o corpo e a garganta e aquece e aproxima letra e lábio. O samba, dizem, tem parentesco com o vento e carrega no sopro pequenas alegrias. Pode-se medir um homem inteiro pelo seu samba - afirmam alguns...
O vento curioso da melodia do homem fica encantado pela semelhança da dança das bocas, mas tímido como é, se apresenta humilde como brisa leve como um carinho inesperado às barbas do sambista.
E sussurra baixinho:
- toc-toc sambista!
O sambista, agora desperto para as excentricidades do mundo, quase nada ou muito pouco surpreso, responde:
- Quem é?
- O vento! Vim soprar para você!
E como todo homem sensível o sambista se dispõe novamente a cantarolar atirando sua música ao vento, que encantado pela melodia apressada do sambista, cala, emudece, silencia as folhas...
- Vento, por quais paragens tem flanado?
- Ah, meu caro sambista, cada dia um algo a mais (responde o vento timidamente)
- Há varios dias olhando, brisando, ensaiando o porvir que não vem nunca com nenhum sinal de mar presente
- O presente do mar está nos olhos e deságua nas coisas e se esparrama assim como o samba (declama o sambista)
- O samba é isso, um presente!
- Mas um presente à quem, jovem sambista?
- O samba é isso oras, já disse, um presente!
Um presente do mar alto ao vento!
Dizem que desde então, toda vez que toca o samba, o vento para, deixa de soprar e dança.