"Depressão- Um Ensaio Para a Loucura" =


Foi muito, muito de repente, muito lentamente
Que me vi caindo num poço escuro e sem fundo
E enquanto caía, embaralhava-se a minha mente
Misturavam-se recordações, findava-se o mundo

A queda era contínua, dolorida, muito sufocante
O sofrimento parecia apertar-me o peito à morsa
E enquanto me via caindo, caindo a cada instante
Dizia a mim mesmo:”Porque você não se esforça”?

Perguntar a si mesmo é fácil, fácil, e até demais
Difícil é dar aquela resposta que se desconhece
Resposta de quem sabe que está virando incapaz
Que sabe e não sabe o que acontece. Que adoece

Que sente seu mundo ir aos poucos apodrecendo
A família se diluindo no vácuo da doença maldita
Ainda respira, mas que sente que está morrendo
E não consegue transmitir a outrem sua desdita

Realidade e fantasia se misturam a todo instante
O pouco vira muito, o muito talvez vire um pouco
E os momentos de consciência são apenas variante
Na tortuosa via que termina em “Agora está louco”

E naquele ensaio para a irreversível e total loucura
Em que, tendo sorte, resta ainda pouco de lucidez
Em meio à escuridão a gente ainda procura a cura
Ao mesmo tempo em que deprecia, ri, da sensatez

O que se passava em minha cabeça era indescritível
Não tenho, reconheço, capacidade para tudo contar
Sei apenas que o sofrimento era imenso, era terrível
Que ao relembrá-lo, vontade que se tem é de chorar

Chorar por estar curado. De alegria. Ou até de medo
De medo de deixar de lado a prevenção.E da recaída
Da recaída que, a depender de mim, não virá tão cedo
Ou melhor, nunca, porque depressão é morte em vida

Curei-me, com a graça de Deus, há vários anos atrás
Quando em um momento de desespero agudo, total
Veio-me à cabeça uma idéia que o remédio nos traz:
“A gente enforcar-se, será rápido? Será o ideal?”

Passei um comprido pano de prato por meu pescoço
Puxei cada uma de seus lados com a força que pude
E minha fraqueza virou a força imensa de um colosso
Parado o sangue em seu caminho, minha queda foi rude

Cai de comprido e com tal violência no chão da cozinha
Que o barulho chamou atenção de meu filho no quarto
Correu do quintal à minha procura até minha cadelinha
E quase que, naquele momento, minha cabeça eu parto

Ao voltar a mim, depois dos chamados desesperados
De meu pobre filho assustado, tomei uma resolução:
Joguei fora todos os tais remédios de preto tarjados
E resolvi escrever, escrever, escrever com obsessão

Escrevi romances, contos, poemas e poesias de amor
Digitei por quinze, dezesseis, até vinte horas seguidas
Aos poucos descobri que ainda tinha o senso de humor
Que as boas coisas de minha vida não foram esquecidas!!

E cada folha preenchida com a minha literária produção
Deixava-me mais e mais perto da cura, da cura definitiva
Até que alguns meses depois “dei-me alta”. Disse-me São
Voltei à luta! Voltei à vida! Voltei ao amor! Voltei à ativa!

(E de lá pra cá ‘tô são feito um coco...)
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 10/08/2007
Reeditado em 10/08/2007
Código do texto: T601654
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