REAPRENDER A VER

"A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo"

Maurice Merleau-Ponty

Desconfie, amigo, se tudo te parece óbvio

Desconfie, senhor, se tudo é tão evidente

Desconfie, não se deixe embalar pelo ópio

Do senso comum que se apossa da gente

Se incomode, senhora, com essa vida vivida

Não, não se acomode com essa vã baderna

Desconfie se louvarem de ti a grã sabedoria

Pense: "tudo não passará de uma caverna?"

Pois não há nada de óbvio em existir um mundo ao invés do Nada

Como não há nada de evidente no lindo modo da reflexão da luz

Reside em tudo, por todo o mundo, muita ciência a ser investigada

Nada há de claro ao redor, em tudo há mistério para espantar-vos

Não é trivial uma cantata de Bach, uma flor que se abre, um canto

Fruir a doce delícia de descobrir que se é parte do insondável Ser

Renascer, reaprender a ver, se re-encantar, ter o dom do espanto

Ah, com tudo se maravilhar, de tudo buscar a ciência, isto é viver!

De nada no mundo buscar-lhe a filosofia, fazer-lhe poesia, pesquisar

Ser morto em vida, anestasiado, para quem tudo está dado, pronto

É seguir a moral de um rebanho estranho, fanho, mas que baita azar!

Viver essa vida cinza e sem graça? Passo! Isto é que merece o pranto!