Grito

Falo das lutas

Do luto

das dores do mundo

da brava gente que resiste às feridas

ao calabouço

ao roubo da alma, e de sua terra.

Do povo africano

trazido em navios negreiros, desolados

separados, pais, mãe, filhos.

Falo das gentes isoladas de sua família,

do rito, da cultura

de sua pátria.

Falo de cultura

contando a história a brincar

criando, imaginando

numa interação cocriadora

onde a poesia sensibiliza, humaniza,

restaura, fecunda.

Falo do amor e da luta dos negros aos montes

num navio açoitados, amofinados trazidos ao Brasil

com lucidez e seriedade no assunto

para que as crianças possam desde cedo aprender

a respeitar e a valorizar as diferenças,

e a grande importância da herança cultural.

Falo de sonhos de liberdade

de acalanto de mãe para seus filhos

rasgando a alma em lágrimas

dando o melhor de si,

o que podiam ali, presas em terra estranha

uma boneca de trapos, rasgada da barra da saia

com nós tão fortes como a própria alma

deveras atormentada , mas na esperança de sobreviver

lutar pra viver e garantir seus direitos

ali sob o sol a pino ainda tão alienados.

Falo dos negros nas senzalas, moídos,

alma, carne, sangue derramado

ora na capoeira, ou quilombos

lutando e chorando

pra hoje pintar nossa história

com todas as cores da África!

Paula Belmino