Quando o tempo chora
Meu tempo é o mandatário dos mundos,
vira do avesso os quereres,
faz transbordar o que estava seco e morto.
Meu tempo requebra no vácuo,
feito besta no cio faz valer sua lei,
faz valer seu cheiro, seu pisar no chão.
Meu tempo é vão enferrujado, câimbra maldita,
suor impregnado da mais soturna razão.
Ele nunca dorme, nunca se enverga, nunca coalha,
está sempre na prontidão dos passos,
nas ciladas dos medos, na fronha encharcada da fé.
Meu tempo goza com falsetes desmiolados, até não poder mais,
faz da minha razão seu escudo, seu expurgo, seu quilombo,
quando chora, chora mesmo, pra valer.
Do meu tempo ainda pouco sei,
ainda pouco percorri, ainda pouco arrematei.
Tenho medo das suas garras, dos seus reboques,
da sua canção, dos seus frangalhos.
Quisera ter fôlego para escalar suas vértebras pontiagudas,
quisera ter voz para acudir seus gemidos sem pai.
Mas não.
Quanto mais tento rasgar suas folhas, mais me respingo de luz.
Quando mais tento alcançar seus sangues, mais me prendo nesta rebarba sem fim.
Então, sem outra desculpa, me ponho a dormir nas ondas pungentes da sua escuridão.
Então, quem sabe, poderei desancorar cada verso manco que teimar emergir, cada adeus barrigudo que arriscar um bote.
O mesmo bote que me levou daqui pra nunca mais.
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