UMA NOITE, OUTRAS VIDAS.
Madrugadas ponteadas em selim alado.
Momento de grande abalo.
Noite calada, olhos em regalo.
Assim cavalga o homem no seu leito.
Por mundos tão estranhos...
Miragens em vigília,
Que fazem e se desfazem,
Tropéis, pescoço a pescoço,
Imaginário ... incessante ecoar de cascos:
Que avançam e que recuam.
Obra do insano, sonho ou pesadelo.
Sanha quase não humana,
Desejo profundo,
Sono profano,
Pincelando miasmas em tela mundana.
E já cansado, montando corcel das suas ilusões, segue pobre peão,
Que nada mais em si descobre do que simples homem, quase moribundo
De tanto galopar em noite adentro estranhos e novos mundos,
Perseguindo, léguas e mais léguas, insólitas pradarias,
Imersas em manto negro à procura de onde a alma se abriga em
sossego.
Aquele recanto que à alma, lá no fundo, pensa que a acalma,
Sem qualquer vestígio, rastilho de culpa ou de trauma.
Quando, então, logo mais, já no virar das horas,
Ao viajor se anuncia novo dia, velha porteira aberta,
Devolvendo-o, sôfrego, ao corpo que o desperta.
E assim cavalgam os homens nesta terra,
Buscando a paz que nela não se encerra.
Trocando de encilhas, alternando trilhas, cruzando mundos,
Esquadrinhando telas, abrindo cancelas, tropeando vidas,
Abatendo esperanças, burlando todas as instâncias.
Lida essa igualmente campeira,
Levada a trancos, estropiada como gado acossado em mangueira,
Na espera do ferro, no couro, em brasa, que traça a marca do dono.
Assim se põe o homem na invernada terrena, por vezes sem retorno.
Amargando as dores, lambendo feridas,
Expondo cicatrizes de outras vidas,
Muitas mal vividas.
Prova no tempo a sanha dos atos ... seus rebentos.
Jogando nisso a renovação dos sentimentos.
E assim é que vai, homem do campo ou urbano,
Acumulando em vida rosários de enganos,
Na espreita de uma outra, com todo desdém,
E ensaiando adeus às coisas terrenas, já mira o gozo do remanso,
Sem ponteios dos tropéis do além.
Madrugadas, então, que se farão ensolaradas,
E quando pensar encontrado o perseguido descanso, sono pronfundo,
Sem miragens do agora e onde grassa a brisa fresca e calma,
Verá que lá no fundo esqueceu, no rastro de seus atos,
O verdadeiro sentido da vida passada,
Quando já não mais cavalgará com a sublime alma encilhada.