Ofício de um observador
Sempre fui muito observador, e hoje me debruço sobre mesa à reparar um homem que durante um tempo faz sempre as mesmas coisas.
Ao chegar na cafeteria pela manhã do mesmo horário, ele faz seu pedido na fila, escolhe a mesma mesa e puxa uma cadeira onde repousa seus livros e pastas com cores distintas.
Com duas canetas, uma azul e outra vermelha ele faz anotações até a chegada do seu café.
A garçonete se aproxima, com um bom dia ele ler o seu nome no crachá e com um sorriso "amarelo" pergunta:
- Está sem açúcar?
-Sim!
Responde a simpática atendente.
Então, inicia o ritual que me chamou a atenção para escrever essas linhas.
Com a mão direita ele gira o pires até a asa da xícara ficar na sua esquerda,
Mesmo com o café sem açúcar ele saca a colher e mistura no sentido anti horário por 4 vezes, após a agitação ele bate a colher 3 vezes no pires para depositar algumas gotas, e com um guardanapo limpa a colher, e em seguida o pires.
Uma flecha de luz clara que vem da janela atravessa sua mesa, nessa luz que ele coloca sua colher, dependendo da estação do ano o reflexo faz um efeito todo peculiar dentro da cafeteria.
Com o polegar e o indicador ele leva a xícara a boca, antes que ela toque seus lábios ele sopra para não queimar -se.
Ao degustar os primeiros goles o intrigante homem respira fundo e solta o ar rapidamente.
Com a xícara sobre posta a mesa ele mantém sua singularidade, e perdendo o limite de espaço entra em transe ao olhar dentro da xícara de porcelana da cor branca.
Por alguns minutos ele viaja olhando dentro do café.
Já tentei imaginar o por que aquele homem de aparência normal, culta e simplista se perdia totalmente em filete de café.
E ali Continuava ele...
Suicída!
Isso foi o que eu deduzi ao perceber que ele se jogaria dentro de um restinho de café e sumiria no pretejar de sua cor se isso fosse possível.
Ao despertar, o homem olha para a prateleira do seu lado esquerdo onde há taças, troféus, relíquias do dono da cafeteira.
E ao fitar seus olhos no espelho que rodeia toda a prateleira, ele retira o dinheiro da carteira coloca sobre a mesa.
A calma que antes o dominava se esvai como se o espelho o despertasse para a realidade de mais um dia de labuta.
Todos os dias ele faz o mesmo ritual, não sei o porquê, nem quem ele é!
Só sei que sua atitude é tão peculiar que merecia um registro escrito.