Luto
Falta em mim um pedaço de vida.
Faz-se tempestosa a ausência
Tormenta que dilacera e dizima e
Cega e emudece
Faz-me surda e logra-me os sabores,
Os perfumes e cores.
Rouba-me a vida.
Explode em infinito sem cor que escorre e rasga a face
E toma conta do corpo, da alma
E da calma: fecunda escuridão e dor.
Mostra-se deveras presente
Ininterrupta em
Sôfrego aperto desesperado
Que devora-me a morada de Brahman
E clama sem piedade sua existência
E permanência eterna e infinita.
Torna-se centro indubitável de tudo e o Tudo cria-se pois o É.
Lacera a razão que resigna-se em
Tornar escrava calada
Exausta.
Vã e vil.
E o coração, esta ignóbil célula que sente
(Sente e mantém sob tutela as rédeas da consciência e da ciência sem o saber)
Este explode em imensurável sentir.
Derrama e grita e ruge e berra em silêncio.
Luto comigo. Luto em mim.
Luto em espasmos e contrações desesperadas
E serpenteio-me em infindos impotentes contornos que não sabem onde encerrar tamanho padecer
E disso me dissolvo e morro.
O luto não é a morte do que vai:
o luto é a morte de mim.