Estava escrito

No contrato assinado,

no contato assassinado.

Estava escrito.

E na passagem de avião,

na paisagem, no porão,

nos muros de tua cidade

e até na felicidade

estava escrito.

Estava escrito em japonês

nos lençóis da tua cama,

nos faróis e na chama

da vela.

Na tela e nas estrelas,

nas tantas rosas vermelhas,

nos tijolos e nas telhas...

Em todo lugar estava escrito.

E em negrito.

No sol que se pôs,

no feijão com arroz.

Depois, antes, durante.

Na voz tua, distante,

e no instante que foi mais além

estava escrito também.

Estava escrito nos quatro elementos,

escrito na rosa dos ventos:

norte, sul, leste, oeste.

No teu porte, no azul celeste;

também estava escrito ali...

E eu não li, eu não li!

Como foi que eu não vi?

Quando foi que me ceguei?

Onde foi que andei?

Por que nem sequer atinei?

Ceguei, desaprendi, emburreci?

De que me valem os óculos,

os olhos, as órbitas,

de que me valeu a cartilha,

a carteira de madeira, a caneta tinteiro,

de que vale o mundo inteiro

e seus comandos digitais

se sou assim incapaz

de ler sinais?

Absurdamente surda,

absolutamente lenta,

analfabeta completa?

Não, não é assim.

Eu li, sim,

eu li.

Mas fiz que não entendi:

sem assombro, tergiversei.

Dei de ombros,

sorri

e não acreditei.