Morte por asfixia

Respira, inspira, respira, inspira

e o ar que entra no pulmão

é como uma ventania

para a alma.

um pulmão, e é exatamente isso.

o outro eu troquei

por um maço de cigarros

fedidos

no boteco da esquina

de uma rua chamada ---

não tinha nome

e até os ratos

que me faziam companhia

na sarjeta

eram indigentes.

nesse pulmão vítima de escambo

eu expeli todas as minhas

angústias.

a carne rasgando por baixo

da pele e virando fumaça

escapava pela boca

e pelo nariz

e ao longe o chafariz

que cuspia barro fazia

o mesmo que eu

limpando os dejetos

de uma cidade maculada.

e na noite sem som

eu grito

AAAAAAAAHHHHHHH

e eu escuto,

mas o caminho de volta

não tem fim

feito o abismo que cresce

na minha boca e engole

minhas palavras.

eu choro sangue porque

ele corre mais quente

que a lágrima.

eu me martirizo e me destruo

porque sei

sei que ainda existe eu

no meu eu

aquele que se perdeu

e hoje busca desesperadamente

um lugar que é seu.

meu pulmão perdido

minha dignidade esquecida

minha vontade corrompida

nada disso faz sentido

se minha alma está perdida

pois a dor de ser e estar

nunca será maior do que

a de não se encontrar.

dito isto, continuo perdido.