CUNHAPORÃ - UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE 06
CUNHAPORÃ - UMA HISTÓRIA DE AMOR - PARTE 06
Para quem está chegando agora.
CUNHAPORÃ – UMA HISTÓRIA DE AMOR é um poema-romance épico, composto de 271 estrofes e 1495 versos, dedicado a Gonçalves dias. Por sua extensão, ele será publicado em 9 capítulos semanais.
Para que o entendimento do enredo não se perca, procure ler a partir da PARTE 01.
Se Mestre Gonçalves Dias, de onde estiver, puder considerar este trabalho como retribuição a tudo de belo que nos ofertou, fico feliz, porque o simples fato de falar seu idioma e poder ler sua magnífica obra nos originais, já me torna um felizardo.
JB Xavier
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CUNHAPORÃ - Parte VI
A LUTA
O dia surgiu bonito, refrescante, ensolarado
Com pássaros coloridos e pinheiros perfumados.
Adiante, na clareira, beirando o lago de Yara,
As tribos se encontravam. Vários povos e nações.
Na luta todos falavam, disfarçando as emoções.
Então veio o prisioneiro, em passos lentos, pausados.
Guardas à sua frente. Guardas atrás e nos lados.
No centro do aro humano, formado por tanta gente
Nhuamã parou, olhando com serena majestade
Aqueles que se espremiam para ver tal crueldade.
E trovejou sua voz num discurso comovente:
“Guerreiros da tabas
Distantes, remotas,
Ouví minha voz
E o lamento em meu canto!
Cruzastes a selva,
Perigos e grotas
P’rá ver no suplício
Da morte o encanto.
Mais sangue quereis!
Que louco desejo!
Que sede de morte
É essa em seu povo?
Se olho ao sul e ao norte
Que vejo?
Batalhas de porte,
E nada de novo!
Por fado da vida
Caí prisioneiro
Do povo que em dias
De fama passados
Gozou do bom nome
De hospitaleiros!
E hoje declina,
Antigo e cansado...
Entrai o valente
Que a morte me lança,
E que a vida em meu seio
Deseja tomar.
Entrai, ó guerreiro!
Aproxima-te! Avança!
Que um de nos dois
Hoje aqui vai tombar!”
Silêncio mortal apossou-se da mata.
Ao longe se ouvia o troar da cascata
E os gritos dos monos em louca algazarra,
Que aos poucos também foram silenciando,
Enquanto o tupi, na arena entrando
Gritou aos guerreiros:
“Soltai as amarras!”
Partiu-se em tom seco o linho torcido
Deixando então livre o punho ferido.
E os braços penderam do grande guerreiro.
Dormentes que estavam, já não os sentia.
O sangue nas veias já pouco corria
De luas e luas de vil cativeiro.
“Que tens, ó valente,
Que vinde dos prados
Mostrar cá na selva
Teus doces agrados
Àquela que um dia
Ao Grande Oyakã
Ainda menina
Jurou pertencer?
Erguei vossos braços
Charrua maldito!
Pois antes que possas
Sequer dar um grito
Por minha borduna
Havereis de morrer!”
Desceu o tacape, certeiro, assassino,
Tão rápido quanto o fora um felino,
Levando a morte ao incauto inimigo.
Rasgando o ar o tacape voou
Zunindo macabro, mas nada encontrou.
Nhuamã , bem a tempo, evitou o perigo.
Zangou-se o tupi com a falha tão rara,
Surpreso ao ver que o charrua escapara,
E ao lado contrário postava-se atento.
Apenas instantes durou a surpresa.
Saltou o charrua com grande destreza
Causando ao contrário sutil ferimento.
O oyakã sentiu que o sangue escorria
Ao longo da face, mas dor não havia.
O ódio tomou-lhe o ser por inteiro.
Brandindo o tacape assassino no ar
Os golpes desceram buscando matar
O ousado, veloz e valente guerreiro.
Em todas as guerras por onde esteve
Jamais algum braço seus golpes susteve.
Mas neste combate cruel e sangrento,
O braço que a tantos brindara com a morte
Agora sentia mudar sua sorte
Golpeando e acertando apenas o vento.
O som surdo e oco dos pés sobre a terra
Ecoaram lá longe, nos picos das serras
Levando da morte a nefanda mensagem.
E a selva tremia a cada investida
Dos golpes que um fim buscavam p’rá vida,
Levando o estertor à linda paisagem.
Recônditos verdes! No vale o lamento
Dos golpes perdidos levados ao vento
Fremiam pulsantes na insana batalha.
No céu ecoava o incessante bramido
E o azul festejava, qual teto incendido
Por sobre a disputa, qual grande mortalha.
O Oyakã pressentiu que seu grande inimigo
Buscava sua morte, e sentiu o perigo
Daquela batalha terrível e crua.
Jamais algum dia alguém tão valente
Após desafiá-lo ficou à sua frente
Assim tanto tempo como esse charrua.
Os velhos, as moças, e todos que viam -
Guerreiros, crianças - também pressentiam
A grande tragédia que estava por vir.
Dobraram de força os golpes insanos,
E a louca junção do esforço inumano
Previa o que então viria a seguir.
"Tupã assim quis
Maldito guerreiro
Das tribos do sul,
Por sorte infeliz
Morresses ligeiro
Sob Ygarussú .
A morte te leve
No abraço gelado
Aos campos distantes.
Teu corpo em breve
Inerte ao meu lado
Terei num instante."
E um último esforço, titânico, louco
Tentou o Oyakã . Errou por bem pouco.
Saltando de lado enviou o revés
O índio charrua. O punho fechado
Desceu martelando. Um crânio rachado!
E o cacique tupi tombou a seus pés.
Silêncio mortal. Que foi que ocorreu?
Acaso o charrua o tupi, pois, venceu?
Acaso os olhos erraram ao ver?
Mas não! Lá estava o tupi destroçado.
Do crânio seu sangue se havia escoado
Em grandes torrentes. Estava a morrer.
"Pajé! Os ungüentos!" - Gritou Nhuamã
"Impeça que a vida abandone o Oyakã !
Guerreiros ilustres não morrem assim!
Queria-me a morte, por certo, porém,
Até este dia não houve ninguém
Que assim a pusesse diante de mim."
E enfim recobrada do susto cruel
A selva acordou num tremendo escarcel,
Erguendo nos ombros o novo Oyakã .
O corpo cansado aos céus elevaram,
E os olhos atentos em vão procuraram
Os olhos sonhados de Cunhaporã .
Por dias e noites reinou o festim.
Das bilhas, nas sombras, saía o cauim
Que a todos felizes e alegres tornava.
Só luas mais tardem já embriagados,
Voltaram às tabas, já fracos, cansados,
Contando a peleja que ainda encantava.
Enfim o silêncio voltou à floresta.
Partiram as tribos. Findara-se a festa.
O pajé ao tupi reentrega a vida.
E a beira do lago, Nhuamã , o charrua,
Sentava-se às vezes, nas noites de lua
Nos quentes abraços da doce querida.
* * *
Próximo capítulo: O SILÊNCIO DO LAGO