Brumar
A atmosfera me envolve
na manhãzinha fria
e a bruma faz os olhos
confundirem dois opostos
num indefinido horizonte:
onde o céu, onde o mar?
Os pertos se estampam: areias
penteadas por líquidas mãos
geladas mas macias...
O prédio da fábrica é uma fina
silhueta violácea navegando
em frente das esfumaçadas
imagens, manchas apenas
-- quase diáfanas pinceladas --
de Outeiro e Icoaraci.
Da direita, vindo e vindo,
na frentinha do trapiche,
semi-invisíveis, os longes figuram
l e v i t a n d o
num céu sem gravidade.
São Tatuoca e Cotijuba num matinal
cochilo forçado e perene
Poucas gaivotas, maçaricos poucos.
Garças solitárias dão sinal
de vida na manhãdrugada.
A canoa vaga flutua
(abandonada ou abandonadora?)
numa dança, como se dissesse
"S o , s o?"
i ã i ã
m n m n
ou ou
Por onde andará teu pescador?
O temporal noturno o arrebatou?
Iemanjá levou-o, novo noivo
em seus molhados braços, já encantado?
"S o , s o?"
i ã i ã
m n m n
ou ou
As ondas desamassam o tecido
de areia, preguiçosamente...
Marajó -- ou seriam os Marajós? --
deriva (ao sabor do tempo),
e da bruma que vai se dissipando)
do outro lado da baía, imensa
avenida de canoas, barcos, navios...
E de botos... boiunas... encantados...
Ali no Areão a canoa ainda insiste:
"S o , s o?"
i ã i ã
m n m n
ou ou
A alma de nossos ancestrais
t u p i n a m b á s ainda erra
por estas nostálgicas plagas?
Ah! Esta atmosfera...
Os pés levam de volta a casa
os olhos, depois dessa sondagem.
A canoa flutua em minha mente.
Mecanicamente, guardo o binóculo.