Trigal com Corvos (1890) - Vicent Van Gogh
____________LIBERTAÇÃO
Os corvos pretos bicam as janelas do silêncio
e em circulo ensaiam voos sangrentos
rasgando a pele dourada dos sentimentos.
São testemunhas das lágrimas derramadas
de tantas guerras que desisti de lutar,
alimentam-me freneticamente da chama
que crepita neste corpo devorável.
Os grãos de trigo das searas que semeei
perderam-se na escara deplorável
que eu mesma nesta carne rasguei.
Descalço as sandálias e deposito-as no chão
para não me pesar ainda mais a solidão...
Dediquei-me a causas em queda e lentamente
elas próprias mastigaram meus ossos, perdi a fé,
enquanto a plateia aplaudia o show da minha morte em pé.
Refugio-me no abraço saudoso e longínquo
daqueles que um dia me trouxeram ao mundo
e, finalmente, sinto paz, adormeço...
Adormeço como um minusculo e frágil feto
que não escolheu nascer, tampouco viver e morrer.
E é essa a minha história até hoje, admito...
Agora que o gelo do inverno cobriu meus telhados
podem vir os todos os corvos abrir-me o peito
e dilacerar-me o coração com os seus bicos afiados.
Ah, coração! Finalmente estamos salvos!
Oh, vida! Finalmente liberta de tanta cobardia!
Era preciso libertar-me... e libertar os corvos! *
* Poema inspirado na tela Trigal com Corvos, de Van Gogh.
Ana Flor do Lácio
Ana Flor do Lácio