Morada
Todos os meus estados de espírito são estados de espírito. Não são, ainda, esse modo de vida que me alimenta em procissões e travessias.
O sorriso que estampa o rosto, não mais que a lágrima que ali navega, assinam a face; mas não, ainda, o sangue e os minerais que me alagam.
Um mar vermelho transpõe meus poros e o mundo inteiro me atravessa; sorrir ou chorar nunca são, ainda, o cumprimento das ondas e as profundezas vulcânicas, célula a célula respirando e rompendo as membranas.
Bebo palavras, comprimida por silêncios, mitigando o deserto de sentir essa expansão oásica que me arrebenta. Nunca o corpo me comporta. Sou água viva.
A sola dos meus pés. As linhas das mãos. O sal da pele. O útero se devolvendo à superfície. O sangue nas têmporas. Veias. Bússulas. Pulsos. Tudo ouço me revelando, pr'além do meu estado de espírito.
Todos os meus estados de espírito não são, ainda, as asas da borboleta, a semente do girassol, os braços pôlvicos do meu desejo; jacas voando, lesmas ao lodo, pássaros no azul, o azul, simplesmente o azul.
O nascer e o pôr do sol em erupção; as nuvens me deslocando; a madeira queimando; o logos - fogo, palavra e razão - não são, ainda, a morada e o que se espia, pelo buraco da fechadura, habitantes por trás da dor e da alegria do ser poeta.