Estranho jeito de ser
Deixo correr solto
todo o meu desassossego,
empilho os vinis na discoteca,
ponho algumas flores no vaso,
varro a poeira dos meus olhos
e me deixo livre para pentear
a franja da fronha da almofada da cadeira de encosto
que descansam meus pés descalços.
Olho para o vento que vem sem pressa
e me traz calor,
percebo que não ficou do jeito
que eu queria
a arrumação da sala porque os móveis permanecem mudos,
as cortinas desgastadas,
mas vejo depois de tudo
que o gosto do suor sentido de leve
no instante em que nossos corpos se esbarraram
ainda permanece molhada bem aqui,
assim mudo o outro lado do disco
e aquela música me faz bailar na necessidade emergente em mim de dizer:
Seja feliz!
E sou tão
sem atenção ao ponto de nada dizer
do nada senão da vontade que tenho
de mais uma esbarrada, de ficar cara a cara
e sentir seus lábios a invadirem os meus.
Mas a condição de ser eu na estranheza de hoje, apenas o desassossego de querer ser
se faz em mim o que sou ou o que talvez nem seja porque nunca sei quem é na verdade
o princípio de tudo...
Sossego o facho
quando salto de dentro do ovo,
quebro a casca e me sinto emplumando
as minhas asas:
Seja feliz!
E sou
a espera da surpresa
de te ver chegar
em cima da hora
que marcamos.
Saindo do sono pela batida na porta, desconserto o eu de mim e descubro que adormeci no balanço da cadeira
enquanto rolava aquela canção de há dias
que já não a ouvia.
Desassossego do verso arranhado dizendo:
Seja feliz!
E sou
a falta de consciência
de encontrar a felicidade de olhos abertos.
Abro a porta
e você me invada
sem ao menos lavar as mãos
e passar óleo no cabelo.
Cara a cara
nos cumprimentamos
e sentamos calados para depois debulharmos
o silêncio
trazido pelo vento quente
e mesmo assim,
com tão pouco,
somos felizes.