DE AÇO INOXIDÁVEL
Do tudo que me levaram
Resta-me uma tênue tramela
rangida,
Uma porta semi cerrada
E um telhado de aço.
Sempre depois do granizo,
Me abraço em mim mesma
A me apalpar em ação de graças.
Ato reflexo,
Solto a tramela emperrada
E espio da janela de mim.
Lá fora, sempre há
Mais uma multidão
Vinda em minha direção.
Resfolego para
poder acalentar
com o que já não tenho.
À minha porta instável
Bate o socorro ao alheio
O socorro que também é o meu.
Todavia, ninguém sabe...
Ou finge não saber.
Saber compromete.
Sei que chega ele
a procura de respostas
que não são minhas.
E eu,
Nunca sei se o acolho
ou se me socorro de mim.
Então ele entra,
E pede pelo unguento
que preparo com sucatas
do que foi.
Inoxidável, ali permaneço
sob o teto que me cobre
e me cobra alto,
A soerguer os ossos doloridos
A estender a mão trêmula
Em franco ato de caridade.
"Auto- caridade", talvez.
Lá fora,
No terreno empedernido
Nunca há espaço
para brotar a minha dor,
infinitamente menor
que a dor alheia.
Só uma flor ainda ensaia vida
a me sinalizar o ânimo de milagre.
Missão escolhida:
A do -cumpra-se!-
em tábua contínua e inoxidável.
Aço da vida que prossegue
oxidada e alheia,
Sempre sem dar explicações.