Cercas construídas de palavras

Os lábios se afastam e sua boca se abre, escancarando uma gruta escura, quase um poço. A voz, encaixada lá no fundo por breves momentos de silêncio, saía firme, as palavras encadeando-se, as frases sugestivas, se adaptando aos meus ouvidos, entrando neles sem pedir licença, fazendo bagunça.

Não adianta. Não adianta dedilhar as cordas vocais para isso, para puro convencimento, para dizer o que é, o que não é, e o que não devia ser. Palavras são tão extremas que, convencidas da sua identidade, perdem a razão, perdem os amigos, perdem o perfil de agentes sociais. Só separam. Dizem: ''Eu, no seu lugar...''

Por essas e outras, prefiro o Silêncio e, no máximo, uma arte intraduzível: a música, a pintura, o poema. Nunca poderão ser reformulados, colocados em caixas, separados. Nascem e morrem aquilo. Não ressuscitam.

O Silêncio, ao não dizer nada, não perde nada. O Silêncio é um ser pelado, sem uniforme nenhum, nem voz, nem destino. Nem feliz, nem triste. Satisfeito consigo e com qualquer coisa.