A mão suja

(Carlos Drummond)

Minha mão está suja,

Preciso cortá-la.

Não adianta lavar.

A água está podre.

Nem ensaboar.

O sabão é ruim.

A mão está suja,

Suja há muitos anos.

A princípio oculta

no bolso da calça,

quem o saberia?

Gente me chamava

Na ponta do gesto.

Eu seguia, duro.

A mão escondida

no corpo espalhava

seu escuro rastro.

E vi que era igual

usá-la ou guardá-la.

O nojo era um só.

Ai, quantas noites

no fundo da casa

lavei essa mão,

poli-a, escovei-a.

Cristal ou diamante,

por maior contraste,

quisera torna-la

ou mesmo, por fim,

uma simples mão branca,

mão limpa de homem,

que se pode pegar

e levar à boca

ou prender à nossa

num desses momentos

em que dois se confessam

sem dizer palavra...

A mão incurável

abre dedos sujos.

E era um sujo vil,

não sujo de terra,

sujo de carvão,

casca de ferida,

suor na camisa

de quem trabalhou.

Era um triste sujo

feito de doença

e de mortal desgosto

na pele enfarada.

Não era sujo preto

- o preto tão puro

numa coisa branca.

Era sujo pardo,

pardo, tardo, cardo.

Inútil reter

A ignóbil mão suja

Posta sobre a mesa.

depressa, cortá-la,

fazê-la em pedaços

e joga-la ao mar!

Com o tempo, a esperança

E seus maquinismos, outra mão virá

Pura – transparente –

Colar-se a meu braço.

troclone
Enviado por troclone em 07/08/2007
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