Menina Grão de Feijão
Sinto-me um grão de feijão
Germinado nas águas tuas
Regado com as lágrimas tuas
E logo esquecido em qualquer lugar
Aonde tu me dizias para ficar.
Fui qualquer ser inesperado
Que tu não gostavas de carregar
Na casa que deveria ser minha
No peito que deverias me dar
E cresci com fome de tudo...
E ainda sem entender, no mundo, o meu lugar.
Eu odeio-te e amo-te tanto
Que para o meu próprio espanto
Pego-me com saudades de ti.
Olho de soslaio e vejo-te
Nos tantos descuidos de mim.
No meu sorriso e na minha face
Que dizem lembrar a tua.
Queria mesmo assumir que sou maldita
E que não quero nada de ti sobre mim!
Prefiro ser a filha da rua.
O que posso eu sentir por ti?!
Valha-me, meu Pai do Céu!
Quanto mais busco-me, mais encontro-vos!
Dois insanos!
Dois imundos e também eu!
E o caos adoecido de onde eu vim.
Nas ordens equivocadas que eu obedeci.
Na tua vida mentirosa, jeito quase terno
No teu colo que deveria ser materno.
Guardo o julgo...
Silencio, oro e choro.
Eu apenas queria compreender.
Há quem diga que algumas coisas não são feitas
Para o nosso humano entendimento ser.
E, decerto, esta nossa vida,
- minha e tua -
É uma das tantas coisas incabíveis
Inconcebíveis, inacabadas e fogem-me.
E estancam-me o riso.
E arrancam-me a consciência sobre tudo.
Procuro lidar bem com a verdade
Que me bate ainda na face menina
Tu eras grande demais para mim, tão pequenina.
Ocupava muito espaço a tua dor.
Tu eras o centro da tua própria vida.
Foste uma escrava morta-viva
Com sorriso no rosto e batom carmim
E todas as ordens prontas sobre os saltos
E olhares de ajustes para mim.
Sinto-me um grão de feijão
Menina na palma da Mão
Daquele que me Ama desde sempre
E que sabe tudo sobre mim.
| dois passos para trás eu dou.
para que eu possa livrar-me de vós.
sobe-me o vômito e adoeço a minha carne um pouco mais
para que eu possa conhecer-me e crescer.
porque a vós... eu já farto-me de (re)conhecer demais |
Hoje eu queria voltar para Casa, Pai ..
Deixa-me descansar, meu Senhor, no regaço Teu
Deste inferno onde eu nasci e não compreendo
Deste inverno rude que é ser eu.
Ensina-me a esquecer-me de mim
Para cuidar de tudo o que é Teu.
Karla Mello
30 de Março de 2017