coador
coador
Um café por gentileza,
mas observe:
que não seja encorpado em costas negras com hérnia.
Também não quero tão quente assim açoite,
nem amargo senzala, sabe?
Não quero um café forte como São Paulo,
que se ergueu pelas coxas
que vestiam algodão,
que carregavam estopa
que vestia café
e construiu ferrovias,
atraiu bondes,
bancos,
hidroelétricas.
Não quero amargo suor, já falei?
Não quero café com calos.
Quero dizer...
Não o quero silencioso
e ,por gentileza, sem açúcar,
porque esse branco ainda me assusta.
Ah, e sem a cafeína do século vinte,
mas ao mesmo tempo quero um café que me acorde.
Mas peço que nenhuma dor seja tirada do mergulho profundo nos meus porquês,
se esse mergulho for para resgatar
a memória,
a dignidade
do pó aromático que virou borra, porque foi consumido.
Que não venha nele a bagagem da palavra
ela só implica o fim de tarde na boca,
no beijo da calmaria atrapalhada de quatro e cinquenta,
às dezoito e quarenta e cinco
no bar.
Meu estar é o tumulto que se culpa
pelo aperto no ônibus,
pelo grilhão do sim,
pelo meu tênis furado na chuva de janeiro no ponto do ônibus
indo ao trabalho,
que é bem longe de casa,
às cinco e meia da manhã.
Por gentileza, um café que não se coe passado para ser bom.
Um café que não ecoe escravos.
Que não seja expresso como meu ritmo no dia-a-dia, com as duas mãos espalmadas nas minhas costas me levando embora logo de onde eu estiver.
Por gentileza, um café que não precise ser coado para ser bom.
Um café que não reflita minha cor nas suas margens e mantenha
a espuma branca no centro, sabe ?
Ah...Não se vende aqui?
Então não vou beber nada obrigado.