você me quis a seu modo

Você me quis

me fez

a seu gosto

conforme a regra

no seu molde

emoldurou

e pôs na parede

forte

robusto

belo e branco

modelo padrão

reto e perfeito

mas sou um cara todo torto

não sigo bula

regra

pra seu desgosto

pinto e bordo à deriva

sou roto e rasgado

lanhado pelas circunstâncias

faço o que me apetece

e dou troco

avesso

inquieto

sigo à margem

à parte

só prezo o que não se enquadra

anarquista

sou contra status quo

Você me quis

mas não mediu conseqüências

mal sabia o que lhe esperava

aspereza

destreza

matéria bruta

puto com vilezas

avesso a regras sociais

prezando apenas

miudezas

dissonâncias

irrelevâncias

formigas

flores pequenas

temperos

detalhes

entalhes

santos e divindades

que excetuo e acolho

sou mesmo tolo

na sinceridade

falo o que não posso não pago o que não devo

já me fiz quase mudo

mas hoje falo

do mundo televisivo

quase tudo deprecio

celebridades

artistas banalidades

crença

cerimônias

política formal

maldades gratuitas

Você me quis

porta-retrato na parede

chaveiro

bibelô. Qualé?

sou fora do que previu

sem arreio

perco estribeiras

falo besteira

sem freio fico quando vejo brutalidade

ditadura

falcatrua

omissão e miséria

sou meio potro selvagem

me moldo

mas preservo o índio revolto que sou

trago poetas revolucionários na algibeira

minha lucidez beira à loucura

sou assim mesmo rude

perplexo

inconcluso

confuso e reto

trago no peito

à mão

meu direitos de cidadão

sou do não

contra inquisições

prejulgamentos

condenaçoes e pena de morte

menos para corrupto

sou abruptro e comum

mas nego o poder sem mando

aos desmandos

sou assim

mas fique à vontade

sou também brando e suave

e gosto de generalidades

banalidades

aprecio os loucos

gentileza

os animais selvagens

crianças

a dança

poesia

fernando pessoa whitman e sylvia plath

música e alegria risos e fertilidade

amor e tesão

acredito em tudo de conteúdo

e descreio

de partido e suas soluções mágicas

ajo assim

mas não dou bandeira

não carrego estandarte

avulso

sigo no meio da multidão

cutucando fera com vara curta

e quase não sou notado

sou quase nada

só uma pessoa a mais

descontete e raivoso contido

ferido e restrito

aflito às vezes

um nó humano. Poeira cósmica. Quase nada!