Faca no tempo

“Elle est retrouvée.

Quoi ? - L'Eternité.

C'est la mer allée

Avec le soleil.”

RIMBAUD

I

O deserto quente.

A frieza da alma.

Vida criando dores,

Sonhando eternidades.

Amanhece. Luz!

Palco iluminado,

Teatro do tempo:

Soberbo.

Apaga o medo

O dia de sol.

Homens criando seiva,

Árvores sangrando.

II

Podes ver?

Criei asas e vi o mundo.

A liberdade é fantasia.

Palhaços incautos,

Devorando significado,

Caminhamos sozinhos.

III

Linguagem:

Um fantasma pisoteado.

O discurso sem poder,

Desordenado.

O tempo, ainda ontem,

Dilatado.

A metafísica brincando

De saber.

IV

O fim do caminho

Amanhã de manhã.

Enferma, a vida

Bate à porta.

Tem sede,

A boca seca.

O caminho escurece.

De negras nuvens,

A tempestade cai.

A vida pálida:

Com o medo na alma.

O medo da vida

Na alma do homem.

V

O homem social

Morto, atemporal.

Escada abaixo

A vida caminha,

Dança e cria mundos.

Povo é mentira.

Indivíduo, ficção.

Só resta o encanto

Do que não foi.

Vã alegria.

Pelo tempo,

Aos tropeços:

Humanidade tecendo

Teias.

Pelo avesso,

A vida avança.

A descrença cresce,

Eis a nossa herança.

Abismo, ismo, ismo,

Humanismo tolo.

Uma história sem fim,

No fim da história,

Esperando alguém.