Eu, que sou da noite

Eu, que sou da noite,

tenho filetes de sombras

em todos os meus poros.

Silêncios de ruas desertas moram

nos entremeios de minha carne.

Eu, que sou da noite,

de uns tempos pra cá

tropecei numa luz branca,

caí de cara na clareza.

Levantei ensanguentada,

plena de centelhas, injuriada:

os fragmentos ficaram no meu corpo,

aquela luz nunca se apaga.

(Alguns me acham mais bonita,

& como posso estar mais bonita

se da noite sou escrava?)

Eu, que sou da noite,

tornei-me morada de iluminações;

fui expulsa de meus paraísos,

excomungada de minhas madrugadas,

preenchida com um grito de brilhos.

Agora todos passam por mim de óculos escuros e

por trás das lentes,

piscadelas frenéticas falam

sobre a intensidade da luz em mim.

É tanta claridade

que não conseguem me olhar por muito tempo.

Com certo pesar, percebo:

por onde passo, escureço.